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8.04.2015

05 Forma e conteúdo

 5. Forma e conteúdo

Os planos do corpo, da alma e da mente, dispostos verticalmente um sobre o outro, correspondem aos âmbitos da forma e do conteúdo. O corpo representa o aspecto formal, enquanto tanto a alma como o espírito formam o conteúdo.
Do ponto de vista religioso e esotérico esse paralelismo é óbvio, sendo, ao contrário, estranho para as ciências naturais. Para os antigos, toda forma, e portanto toda coisa, era a manifestação da idéia que está por trás dela. Goethe ainda formulou sem ser refutado: "Tudo o que é transitório é somente uma metáfora". Em muitas áreas da vida, da arte à técnica, a relação entre forma e conteúdo é evidente para nós até hoje. Nós apreciamos uma escultura de Michelangelo por aquilo que ela expressa. Por mais importante que seja it material, ele vem depois do conteúdo. A lâmpada de alerta que se acende em um aparelho técnico nos leva a investigar as causas subjacentes. Nós queremos saber o que a lâmpada acesa significa. Entretanto, quando o corpo expressa dolorosos sinais de alarma, muitas pessoas tentam subjugá-los com comprimidos sem aprofundar-se em busca das causas. Por que justamente os sinais do corpo não significariam nada? Nossa saúde já estaria atendida se tratássemos o corpo de maneira tão consciente como o fazemos com qualquer máquina.
O exemplo seguinte pode esclarecer a relação entre a medicina científica e a medicina interpretativa. Suponhamos que, ao ser perguntado sobre a última peça de teatro, um conhecido responda: "O palco tinha oito metros de largura por quatro de profundidade e dois metros de altura. Havia 14 atores, dentre eles oito mulheres e seis homens. Os figurinos foram feitos com 86 metros de linho e 45 metros de seda, o palco estava iluminado por 35 holofotes [...], etc.". Nós ficaríamos bastante insatisfeitos com essa resposta, mas valorizamos muito um médico que, após o exame, nos comunica uma série de dados e fatos sobre nosso corpo. Esse médico, que flutua no âmbito formal, deixa que seus pacientes fiquem igualmente boiando no ar. Somente ao final, após toda a enumeração das medidas e dos resultados obtidos, quando ele diz, por exemplo, que "tudo isso chama-se pneumonia", é que o paciente se sente um pouco mais esclarecido. Agora o médico interpretou seus números e seus resultados, e aquilo que expressam imediatamente adquire sentido para o afetado.
Neste ponto, nosso princípio unicamente dá mais alguns passos adiante. Pois naturalmente é possível prosseguir um pouco mais nesta direção significativa com a pergunta: o que significa pneumonia? O local nos dá o respectivo plano afetado. Os pulmões são o órgão da troca de gases, com sua ajuda nós também nos comunicamos, pois a linguagem surge através da modulação do fluxo respiratório. Todos nós respiramos o mesmo ar e, portanto, estamos em contato uns com os outros através dos pulmões. No corpo, os dois pulmões ligam o lado esquerdo e o direito, assim como a respiração também liga a consciência com o inconsciente. Nenhuma outra função orgânica tem acesso aos dois planos de maneira tão equivalente. Com o órgão pulmão é enunciado também o plano do problema e o tema do contato, da comunicação. Tal como demonstram insistentemente os resultados da medicina acadêmica, uma inflamação é um conflito bélico, uma guerra. Os anticorpos lutam contra o agente causador, que é armado, combatido, morto e vencido. Conseqüentemente, com uma pneumonia [inflamação dos pulmões] nós encarnamos um conflito no âmbito da comunicação. Após essa interpretação, que já vai um pouco mais longe, pode-se prosseguir e continuar interpretando: por que justamente comigo, justamente isso, justamente agora? O que é que isso impede, a que me força?
De qualquer maneira, interpretações realmente acertadas resultam somente quando o contexto individual é delimitado e a sintomática, sempre especifica, e levada em consideração. A interpretação de diagnósticos em procedimentos sumários, tal como já aconteceu, é tão ineficaz como o próprio diagnóstico. Ainda assim faz sentido interpretar diagnósticos, embora isso contribua apenas com algumas pedrinhas na composição do grande mosaico que é o quadro da doença. Sejam eles constituídos de vocábulos latinos ou, mais recentemente, em inglês, a primeira coisa que se recomenda é a tradução. A tradução do diagnóstico sempre joga alguma luz sobre o sintoma. Alguns diagnósticos simplesmente implodem, perdendo assim pelo menos sua capacidade de assustar. Pacientes abalados podem recobrar o ânimo, por exemplo, através da tradução do "veredicto" PCP : Poli (muitas) Artrite (inflamação da articulação) Crônica (de evolução lenta) Primária (desde o inicio). Não é preciso médico algum para tal diagnóstico. O próprio paciente sabe que desde o principio muitas articulações começaram lentamente a se inflamar.
Confrontar forma e conteúdo pode ajudar a esclarecer o quanto ambos são importantes. Nenhuma peça de teatro faz sentido sem um palco e sem atores, ela no mínimo causaria uma impressão penosa caso não houvesse figurinos, sem iluminação o sentido permaneceria necessariamente obscuro. Todas essas coisas são importantes, mas elas não são tudo. A situação é análoga em relação aos diagnósticos e dados métricos do corpo. Eles são indispensáveis para a descrição dos aspectos formais, e nós obviamente também os usamos como ponto de partida. Eles possibilitam o primeiro passo e tornam-se com isso condição necessária para o segundo, encontrar o sentido, ou seja, a interpretação. Mas eles naturalmente não a substituem.
A medicina acadêmica, portanto, fornece uma base importante, e a medicina interpretativa não a torna supérflua, ampliando-a substancialmente. Não há portanto qualquer ataque fundamental a ela de nossa parte. De fato, ambas as tendências têm a mesma base, o corpo humano, mas seus âmbitos principais de atividade estão em planos diferentes.
A medicina acadêmica restringiu-se ao corpo, e no âmbito das reconstituições realiza muitas vezes verdadeiros milagres. Mais recentemente, ela deixou a preocupação com a alma para a psicologia, e a teologia há muito encarregou-se do espírito. Quem ataca a medicina acadêmica por não curar sua alma faz como aquele que visita uma piscina pública e se queixa porque não tem vista para o mar. Não lhe prometeram isso, assim como a medicina hoje não promete mais a cura do corpo, da alma e do espírito, limitando-se modestamente a um bom trabalho de reparação no âmbito do corpo.
A medicina acadêmica compartilha a retirada do plano interpretativo com a maioria das práticas naturalistas . Ambas são mais semelhantes do que em geral se supõe, pois partem da mesma visão mecânica do mundo. Elas procuram as causas no passado e competem para ver qual encontra a mais profunda e elimina os sintomas da maneira mais efetiva. Elas são mais parecidas  do que admitem até mesmo na escolha das armas. Quem sai o campo contra os sintomas precisa de armas e evidentemente defende o ponto de vista alopático, que visa o oponente e tenta neutralizá-lo com os melhores antídotos.
Quando médicos naturalistas atacam a medicina acadêmica porque ela utiliza a cortisona com demasiada freqüência, dever-se-ia pensar que a cortisona é um hormônio fabricado pelo próprio corpo, e que, por conseqüência, pertence inequivocamente à natureza, mais especificamente à nossa própria natureza. O preparado para o coração preferido pela medicina acadêmica, digitalis, não é outra coisa que uma planta cuja naturalidade não pode ser contestada. Por trás até mesmo do primeiro e mais utilizado antibiótico, a penicilina, está o Aspergillus penicillinum, um cogumelo. Por outro lado, a homeopatia não é absolutamente natural. Jamais ocorre naturalmente uma concentração tal como uma C 30 ou uma D 200. A homeopatia é uma prática artificial, e os antigos médicos homeopatas não se acanham em caracterizá-la e praticá-la como arte.