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9.11.2017

02 - Entrando em Outro Mundo

Nossa pesquisa sobre esse 'Leonardo desconhecido' iria se tornar uma investigação longa, envolvente e inacreditável, mais parecida com uma iniciação do que com uma simples viagem do ponto A até o ponto B. Durante nossa iniciação, chegamos a muitos becos sem saída e começamos a nos sentir emaranhados no mundo daqueles que estavam conectados com essas sociedades secretas; e que se divertiam com jogos sinistros e em desempenhar o papel de agentes de desinformação.

Perguntamo-nos várias vezes, ainda um tanto aturdidos, como é que uma simples pesquisa sobre a vida e a obra de Leonardo da Vinci poderia ter nos arremessado em um mundo que acreditávamos só existir em filmes impenetráveis como Orphée, do grande surrealista francês Jean Cocteau, que é a descrição de um outro mundo, onde só se pode entrar atravessando um espelho.

Na verdade, foi esse grande representante do bizarro, Cocteau, quem nos daria ainda outras pistas, não só sobre as crenças pessoais de Leonardo, como também em relação à existência ininterrupta de uma tradição ocultista que se ocupava dos mesmos assuntos tão caros a ele. Iríamos descobrir que Cocteau (1889-1963) realmente parecia ter se envolvido com essa sociedade secreta; o que nos permite inferir isso será discutido mais tarde. Primeiro vamos analisar o conjunto de evidências que está mais à mão, aquele que está bem diante de nossos olhos.

Surpreendentemente próximo às luzes brilhantes e glamourosas da Praça Leicester, em Londres, está a igreja de Notre-Dame de France. Loca­lizada no bairro de Leicester, vizinha de uma sorveteria da moda, é bem difícil de se achar, porque sua fachada não oferece a resplandecência que asso­ciaríamos à maioria das igrejas católicas. Poder-se-ia passar por ela sem se­quer notá-la e certamente sem perceber o quanto sua aparência se diferencia da maioria das outras igrejas cristãs.

Construída em 1865, em um local relacionado aos Cavaleiros Templá­rios, Notre-Dame de France foi quase totalmente destruída pelas bombas nazistas durante a blitzkrieg (Em alemão no original. Palavra referente aos rápidos e maciços ataques alemães durante a II Guerra Mundial) e reconstruída no final dos anos 50.

Passando por seu modesto aspecto exterior, o visitante entra em uma sala grande, alta e ventilada que, à primeira vista, parece ter sido projetada com a mesma ar­quitetura típica das igrejas modernas. Quase desprovida dos ornamentos usuais que adornam muitas outras igrejas, ela possui, contudo, pequenas placas re­tratando a Via Crucis; um altar alto sob uma tapeçaria retratando uma Virgem jovem e loura, rodeada por adoráveis animais, os quais, embora lembrem al­gumas das cenas mais engraçadinhas dos filmes de Disney, ainda assim cabem no que se pode chamar de uma descrição aceitável de Maria quando jovem.

E há também alguns anjos de gesso reinando sobre as laterais da capela. Do lado esquerdo de quem olha o altar de frente, entretanto, há uma pequena capela que não tem nenhuma estátua a ser cultuada, embora, na verdade, tenha seu próprio séquito de devotos. Os visitantes, admirados, tiram fotogra­fias do mural incomum, de autoria de Jean Cocteau, que o terminou em 1960.

A igreja, por sua vez, orgulha-se de vender cartões-postais estampados com a sua obra de arte, que é bastante famosa. Mas, como acontece com os chama­dos trabalhos cristãos de Leonardo, esse afresco, quando examinado de modo mais meticuloso, revela um simbolismo muito pouco ortodoxo.

A comparação com as obras de Leonardo não é de modo algum fortuita. Mesmo levando-se em conta o espaço de 500 anos entre uma obra e outra, seria possível imagi­nar que Leonardo e Cocteau estiveram, de algum modo, colaborando entre si através dos tempos?

Antes de centrarmos nossa atenção nessa preciosa obra de Cocteau, façamos uma visita à igreja de Notre-Dame de France. Embora não seja a única, com certeza é algo bastante incomum uma igreja católica ter um for­mato circular, sendo este bastante enfatizado aqui, em diversos detalhes.

Por exemplo, há uma notável cúpula em formato de clarabóia, adornada com desenhos de círculos concêntricos, os quais, não seria tolice se assim inter­pretássemos, formam uma espécie de teia de aranha. E as paredes, tanto as de dentro quanto as de fora, contêm um repetitivo motivo de cruzes de lados iguais, e ainda mais círculos.

A igreja do pós-guerra, relativamente nova, portanto, e que, como desco­briremos, era um ponto de convergência para os grupos cujas crenças reli­giosas não eram tão ortodoxas quanto nos levariam a acreditar os livros de história, incorporou com muito orgulho em sua construção uma laje de pe­dra que pertencera à Catedral de Chartres, a jóia da coroa da arquitetura gótica.

Pode-se argumentar que nada há de tão excepcional ou sinistro em utilizar essa laje de pedra na construção, pois afinal, durante a guerra, essa igreja era um ponto de encontro da resistência francesa, e uma pedra vinda de Chartres seria, com certeza, um símbolo pungente da terra natal a ser defendida. Entretanto, nossa pesquisa iria mostrar que há ainda muito mais do que isso.

Dia após dia, muitas pessoas, londrinos e visitantes de outros lugares, entram em Notre-Dame de France para rezar e assistir aos serviços religio­sos. A igreja parece ser uma das mais freqüentadas de Londres, além de servir como um abrigo conveniente para os moradores de rua, que são tratados com extrema bondade. Porém, é o mural de Cocteau que age como um ímã para a maioria dos que lá vão, como parte do roteiro de sua visita a Londres, embora também aproveitem esse oásis de sossego para fugir ao barulho e à agitação da metrópole.

Ao se olhar o afresco pela primeira vez, é bem possível que se fique um tanto desapontado, pois, como muitas outras obras de Cocteau, a princípio ele parece ser pouco mais do que um esboço pintado, o retrato de uma cena simples com um parco colorido sobre o gesso.

O afresco mostra a crucifi­cação: a vítima rodeada de atemorizados soldados romanos, mulheres morti­ficadas e discípulos. Estão aí presentes, pode-se dizer, todos os elementos necessários para se retratar a cena tradicional da crucificação de Jesus. Con­tudo, assim como na Última Ceia de Leonardo, ela também merece um exame mais cuidadoso, mais crítico e, até mesmo, mais sensato.

É bem possível que a figura central, vítima de um dos mais terríveis tipos de morte através de tortura, seja Jesus. No entanto, a verdade é que, simplesmente, desconhecemos sua identidade, porque o vemos apenas do joelho para baixo. A parte de cima do corpo não é mostrada. E aos pés da cruz há uma enorme rosa vermelho-azulada.

No primeiro plano há um personagem que não é nem romano nem discípulo, e está se afastando da cruz. Sua fisionomia transparece um grande incômodo relacionado à cena. De certo, presenciar a morte de qualquer homem em tais circunstâncias é um acontecimento extremamente perturba­dor, algo certamente angustiante.

Ainda mais nesse caso em particular, pois deve ser algo indescritivelmente traumático estar presente quando o Deus encarnado está se esvaindo em sangue. No entanto, a expressão desse personagem não é a de um homem consternado, nem a de um devoto desolado. Se formos realmente honestos, o cenho franzido e o olhar de soslaio caracter­izam uma testemunha um tanto desiludida, até mesmo cheia de aversão.

Essa reação não é de alguém que está disposto, mesmo que remotamente, a subm­eter-se à autoridade de outrem, postar-se de joelhos e começar a orar, mas sim a de alguém que expressa sua opinião diante de um igual.

Quem será essa presença que comparece ao ato mais sagrado do cris­tianismo com um ar de desaprovação? Ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Cocteau. E se considerarmos que Leonardo retratou a si mes­mo desviando seu olhar para longe da Sagrada Família na Adoração dos Reis Magos, e de Jesus na Última Ceia, há pelo menos alguma semelhança entre essas obras.

E quando levamos em conta as afirmações de que os dois artistas eram membros de alto escalão da mesma e herética sociedade secreta, torna-­se irresistível a realização de uma investigação mais profunda.

Pairando sobre a cena, há um sol negro, como um olhar ameaçador, espalhando seus raios escuros por todo o céu. Diante dele posta-se uma pessoa, talvez um homem, com a silhueta recortada contra o horizonte, cu­jos olhos erguidos e salientes parecem-se incrivelmente com um par de seios buliçosos, Quatro soldados romanos, em poses épicas, colocam-se ao redor da cruz.

Seguram lanças em ângulos estranhos e talvez significativos, sendo que um deles porta um escudo, que tem como emblema uma águia estilizada. Aos pés dos dois está uma peça de tecido sobre o qual alguns dados estão espalhados. A soma total dos números que aparecem é igual a 58.

Um jovem insípido cruza suas mãos aos pés da cruz. Seu olhar um tan­to vago observa uma das duas mulheres que são retratadas. Elas, por sua vez, parecem estar unidas, formando um grande "M", bem debaixo do homem com olhos em forma de seios, A mais velha das mulheres olha para baixo, aflita, parecendo verter lágrimas de sangue.

A mais jovem, que literalmente se afasta, dá as costas à cruz, mesmo estando próxima a essa. Outra figura em forma de 'M' repete-se na frente do altar, que está diante do mural. Na ex­trema direita da obra, a última das figuras retratadas é a de um homem de idade indeterminada, cujo único olho visível tem a aparência inconfundível de um peixe.

Alguns estudiosos têm dito que o ângulo das lanças dos soldados forma um pentagrama, um símbolo nada ortodoxo e que não tem lugar em uma cena cristã tradicional como essa. Esse símbolo, mesmo sendo intrigante, não faz parte de nossa investigação. Como já vimos, parecem existir ligações visíveis entre as mensagens subconscientes presentes nos trabalhos religio­sos de Cocteau e Leonardo, e é esse uso compartilhado de certos símbolos que nos chama a atenção.

Os nomes de Leonardo da Vinci e Jean Cocteau aparecem na lista dos Grãos Mestres daquela que se auto denomina uma das mais antigas e influen­tes sociedades secretas da Europa, o Prieuré de Sion, o Monastério de Sion. Fonte de muitas controvérsias, sua existência tem sido colocada em dúvida e, portanto, quaisquer de suas supostas atividades têm sido, com freqüência, ridicularizadas, e suas conexões, ignoradas. No início, tivemos a mesma reação, porém, investigações posteriores revelaram que a questão não era assim tão simples.

O Monastério de Sion chamou atenção, pela primeira vez, dos povos de língua inglesa somente em 1982, através do best-seller The Holy Blood and the Holy Grail, de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, em­bora sua edição original em francês seja do início dos anos 60.

O Monastério é uma ordem cavalheiresca e semi-maçônica com alguma ambição política e, parece, considerável força nos labirintos do poder. Posto isso, é bastante difícil categorizar o Monastério, talvez porque haja algo essencialmente quimérico em relação à operação como um todo.

Nada há de ilusório, entretanto, em relação à informação que nos foi passada por um representante do Monas­tério, com quem nos encontramos no início de 1991. Esse encontro foi re­sultado de uma série de cartas, um tanto estranhas, enviadas a nós, após ter­mos participado de um debate no rádio sobre o Sudário de Turim.

Os fatos relacionados a esse encontro um tanto surreal estão detalhados em um livro anterior. Por ora, diremos apenas que um certo 'Giovanni', a quem só conhecemos através desse pseudônimo, um italiano que dizia per­tencer ao alto escalão do Monastério de Sion, havia nos observado cuida­dosamente durante os primeiros estágios de nossa pesquisa sobre Leonardo e o Sudário.

Qualquer que tenha sido a razão, ele finalmente decidiu entrar em contato conosco e falar sobre certos interesses da organização e, quem sabe, nos envolver em seus planos. Grande parte das informações que nos passou foi divulgada em nosso livro sobre o Sudário de Turim, após termos, de um modo um tanto tortuoso, checado a fundo todas elas. Porém, mais uma vez, essas informações não são pertinentes a este trabalho e, portanto, não falaremos delas aqui.

Apesar das conseqüências possivelmente espantosas, ou mesmo chocantes, relacionadas às informações de Giovanni, nós nos sentíamos real­mente tentados a levar a sério a maior parte delas, pois nossas pesquisas as confirmavam. Por exemplo, a imagem do Sudário de Turim comporta-se como uma fotografia, conforme já demonstramos, pois é exatamente isso o que ela é.

E se as informações de Giovanni, como ele afirmou, realmente tivessem como fonte os arquivos do Monastério, então existe uma razão efetiva para seguirmos a linha de raciocínio proposta por essa organização, quem sabe, talvez, com uma pitada de saudável ceticismo, sem de modo algum negá-las de forma imediata e definitiva, como fazem muitos dos inimigos do Monas­tério.

Quando começamos a nos aprofundar no mundo secreto de Leonardo, logo percebemos que, se essa sociedade oculta realmente fosse parte inte­gral da sua vida, então seria bem possível que fosse a fonte geradora das forças que o motivavam.

Se ele realmente fizesse parte de alguma rede pode­rosa do submundo, então talvez seus influentes patronos, como os Lorenzo de Medici e Francisco I, da França, também o fizessem. Tudo indica que havia realmente uma sociedade secreta que alimentava as obsessões de Leonardo: mas será que era, como alguns alegam, o Monastério de Sion?

Se as afirmações relacionadas ao Monastério forem verdadeiras, então essa organização já era venerável quando Leonardo ingressou em suas filei­ras. Sendo tão antigo quanto for, porém, o Monastério deve ter exercido uma poderosa atração, talvez mesmo inigualável, para o jovem artista e para mui­tos de seus incrédulos colegas renascentistas.

Talvez, como os modernos maçons, ela propiciasse um avanço material e social, facilitando os passos do jovem artista entre os meandros da corte européia mais influente, mas isso não explica a evidente profundidade das estranhas crenças pessoais de Leo­nardo. Tenha ele feito parte ou não, a sociedade exerceu um forte apelo sobre o seu espírito, tanto quanto sobre os seus interesses materiais.

A base do poder do Monastério de Sion reside, ao menos em parte, na sugestão de que seus membros eram, e sempre foram, guardiães de um grande segredo, um segredo que, se fosse tornado público, faria bal­ançar os alicerces tanto da Igreja quanto do Estado.

O Monastério de Sion, algumas vezes chamado de Ordem de Sion ou Ordem de Nossa Senhora de Sion, além de alguns outros títulos pouco utilizados, afirma que sua fundação remonta a 1099, época da primeira Cruzada. E mesmo essa data serve apenas ao propósito de institucionalizar o grupo, guardião de um conhecimento explosivo, que, porém, já existia há muito mais tempo.

O Monastério afirma ser a força criadora por trás dos Cavaleiros Templários, esse original corpo medieval de monges-soldados de sinistra reputação. O Monastério e os Templários se tornaram, ao menos assim se afirma, virtualmente a mesma organização, presidida pelo mesmo Grã-­Mestre, até que fossem vítimas de um cisma e se separassem, em 1188.

O Monastério continuou sob a custódia de uma série de Grão-Mestres, in­cluindo alguns dos nomes mais ilustres da história, como Isaac Newton, Sandro Filipepi (conhecido como Botticelli), Robert Fludd, o filósofo do ocultismo inglês e, claro, Leonardo da Vinci que, alega-se, presidiu o Monas­tério durante os últimos nove anos de sua vida.

Entre seus líderes mais recentes estiveram Victor Hugo, Claude Debussy e o artista, escritor, roteirista e diretor de filmes Jean Cocteau. E embora estes não fossem Grãos Mestres, o Monastério, afirmam alguns, vem atraindo diversos lumi­nares ao longo dos séculos, como Joana D'Arc, Nostradamus (Micheal de Notre Dame) e até mesmo o Papa João XXIII.

Celebridades à parte, a história do Monastério de Sion, segundo se alega, envolve gerações e gerações de algumas das famílias mais influen­tes da aristocracia européia. Estas incluem os d'Anjous, os Habsburgs, os Sinclair e os Montgomery.

O objetivo público do Monastério é proteger os descendentes da antiga dinastia dos Merovíngios, reis do que hoje é a França, e clã deten­tor do poder nessa região, do século quinto até o assassinato de Dagoberto II, no final do século dezessete. Seus detratores, entretanto, afirmam que o Monastério de Sion passou a existir apenas a partir de 1950 e que consiste de um punhado de mitômanos sem qualquer poder real, mo­narquistas com ilimitados sonhos de grandeza.

Então, se por um lado temos as afirmações do próprio Monastério sobre sua linhagem e raison d'étre,  por outro, temos as opiniões de seus críticos. Deparamo-nos, então, com um imenso rio sem pontes e, para sermos sinceros, estávamos cheios de dúvidas sobre continuar se­guindo com essa linha de pesquisa.

Entretanto, percebemos que, embora uma análise do Monastério recaia logicamente em duas frentes, ou seja, as questões pertinentes à sua existência recente e suas próprias alegações de cunho histórico, o assunto é por demais complexo e nada é muito claro em relação ao que quer que esteja em conexão com essa organização.

Uma cone­xão dúbia ou uma aparente contradição em relação às atividades do Monastério inevitavelmente faz com que os cépticos denunciem a coisa toda como um completo absurdo do início ao fim. Devemos relembrar, contudo, que estamos lidando com fabricantes-de-mitos, que com freqüência preocupam-­se mais em tornar convenientes, através do uso de imagens arquetípicas, idéias poderosas e até mesmo chocantes, do que em transmitir uma verdade de modo literal.

Que o Monastério existe atualmente, não temos a menor dúvida. Nos­sas conversas com Giovanni nos persuadiram de que, no mínimo, não era um confidente trapaceiro e ocasional, e que deveríamos dar crédito às suas infor­mações.

Ele não apenas nos passou informações inestimáveis sobre o Sudário de Turim, como também nos supriu com detalhes relacionados a vários out­ros indivíduos que estão atualmente envolvidos com o Monastério, além de informações sobre outras organizações esotéricas, talvez associadas, tanto na Inglaterra quanto no continente europeu.

Mencionou, por exemplo, como sendo seu companheiro de organização, um publicitário com o qual um de nós já havia trabalhado nos anos 70. À primeira vista, a afirmação de Giovan­ni sobre esse homem nos pareceu apenas uma maliciosa fantasia de sua parte, porém, dali a alguns meses, algo muito estranho aconteceu.

Por meio de uma notável sincronicidade, o publicitário compareceu a uma festa dada por uma de nossas amigas, em novembro de 1991, em um restaurante de que ela gostava em particular, bem longe de sua casa em Home Counties (bairro da cidade de Londres) , mas logo na esquina da casa de um de nós.

Foi, portanto, uma enorme surpresa encontrar alguém que havia sido mencionado por Giovan­ni, como sendo um dos membros da organização, em um restaurante nas vizinhanças. Entramos, então, em contato e, logo depois, fomos convidados a ir até sua casa em Surrey. Sempre uma boa companhia, passamos horas bastante agradáveis com ele e sua esposa, mas pouco a pouco o fato se tornou evi­dente: ele era membro do Monastério de Sion.

Nossos contatos resultaram em um convite para uma festa em sua casa de campo, após as festividades de Natal. Era uma festa chique, porém, acon­chegante, e os outros convidados eram charmosos cosmopolitas, todos admi­ravelmente, diríamos até excessivamente, interessados em nosso trabalho sobre Leonardo e o Sudário. Era algo muito lisonjeiro, mas, ao mesmo tempo, um tanto inquietante, especialmente porque todos eram executivos do siste­ma financeiro internacional.

Sabíamos que nosso anfitrião tinha conexões com algum tipo de organi­zação maçônica mas, apesar de sua cultivada e com freqüência confusa in­teligência, era também praticante do ocultismo. Sabemos que isso é verdade, em parte, porque ele mesmo nos contou, deliberadamente.

Com certeza, queria que tomássemos conhecimento de algo sobre as conexões, suas e de seu círculo de amigos, com o ocultismo, mas o que exatamente? Qualquer que seja a natureza de sua agenda secreta, havíamos chegado à conclusão de que o Monastério existia em um mundo de homens e mulheres cultos e influen­tes.

Giovanni também mencionou, como participante do Monastério, um certo diretor de uma empresa publicitária de Londres, que também co­nhecíamos. Embora não tenhamos conseguido confirmar sua participação na organização, descobrimos que seu interesse no ocultismo se estendia muito além dos livros e artigos ocasionais que escrevia, através de pseudônimos, sobre o assunto.

Ele também desempenhou um importante papel na publi­cação de The Holy Blood and The Holy Grail, na edição de 1982. E com certeza não é coincidência ter ele uma segunda casa nas vizinhanças de uma certa cidadezinha francesa que tem, como veremos, um papel importante no drama desenrolado em torno do Monastério de Sion.

O resultado realmente importante de nossas conversas com esses ho­mens é que o atual Monastério de Sion não é, como afirmam os críticos, apenas uma invenção de um punhado de franceses com fantasias monarquistas. Em conseqüência de nossos recentes contatos e observações diretas, não temos mais dúvida alguma da existência real do Monastério nos dias de hoje.

Sua suposta linhagem histórica, entretanto, é uma questão completa­mente diferente. Deve-se admitir que os críticos do Monastério têm um pon­to a seu favor, pois a primeira data realmente documentada de sua existência é de 25 de junho de 1956. A lei francesa obriga todas as associações a se registrar, mesmo no caso, paradoxalmente, das assim chamadas sociedades 'secretas'.

A declaração do Monastério na época de seu registro foi a de que seu objetivo era o de prover 'ajuda mútua e estudos para seus membros', uma declaração que, embora digna dos personagens dos romances de Dickens por seu brando altruísmo, é também um caso de estudo em matéria de cuida­dosa neutralidade.

Ela declara uma única atividade, a de publicar um jornal chamado Circuit, que servia, nas palavras do próprio Monastério, 'para infor­mação e defesa dos direitos e liberdades da população de baixa renda'. A declaração lista quatro funcionários da associação, sendo que o mais inte­ressante e mais conhecido deles é Pierre Plantard, que também era o editor do Circuito

Contudo, desde a época dessa obscura declaração, o Monastério de Sion passou a tornar-se conhecido para um público muito maior. Seus esta­tutos não só foram impressos, devidamente assinados pelo suposto Grão­-Mestre, Jean Cocteau (embora, é claro, pudesse ser uma falsificação), como também apareceram em diversos livros.

Sua estréia foi em 1962 em Les Templiers sont parmis nous (Os templários estão entre nós), de Gérard de Sede, que incluía uma entrevista com Pierre Plantard. O Monastério, entre­tanto, teve que esperar mais vinte anos para poder causar impacto no mundo de língua inglesa.

Em 1982, o fenomenal best-seller The Holy Blood and The Holy Grail, de Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, estourou nas livrarias, e a controvérsia que a partir daí se instalou fez do Monastério um assunto da moda, pronto a ser debatido entre um público muito maior. O que esse livro afirma sobre a organização, e extrapola de seus supostos objetivos, será discutido mais tarde.

Pierre Plantard aparece ao público como um personagem vívido que aperfeiçoara a técnica dos políticos em olhar diretamente para os olhos do entrevistador, enquanto, astutamente, dá uma resposta que pouco tem a ver com a pergunta proposta.

Nascido em 1920, tornou-se notícia pela primeira vez na época da França ocupada, em 1942, como o editor do jornal chamado Vaincre pour une jeune chevalerie (A conquista de uma nova ordem de cavalaria), que era marcadamente neutro em relação aos opressores nazistas e que, na verdade, era publicado com a aprovação destes.

Era o órgão oficial da ordem Alpha-Galates, uma sociedade semi-maçônica e cavalheiresca ba­seada em Paris, da qual Plantard tornou-se Grão-Mestre com apenas vinte e dois anos de idade. Seus editoriais apareceram primeiramente sob o nome de 'Pierre de France', e então como 'Pierre de France-Plantard' e finalmente ap­enas como 'Pierre Plantard'.

Sua obsessiva procura do que ele considerava ser a versão correta de seu nome, pode ser vista mais uma vez quando adotou o título bem mais eloqüente de 'Pierre Plantard de Saint-Clair' , que foi o nome com que apareceu em The Holy Blood and The Holy Grail e utilizou enquan­to era Grão-Mestre do Monastério de Sion, entre 1981 e 1984. (Vaincre é hoje o título do boletim interno do Monastério, editado por Pierre Plantard de Saint-Clair e seu filho Thomas ).

Ex-projetista de uma fábrica de fogões, Pierre Plantard, apesar de ter exercido considerável influência na história européia, vez ou outra, afirmam alguns, tinha dificuldades em pagar o aluguel. Pierre Plantard de Saint-Clair, sob o cognome de 'Captain Way' (Capitão Caminho), era quem estava por trás da organização do Comitê de Segurança Pública, cujo empenho possibilitou a volta ao poder do General Charles de Gaulle, em 1958.

Vamos agora considerar a natureza essencialmente paradoxal do Monas­tério de Sion. Primeiro, de onde será que realmente vieram as informações públicas sobre a organização, e quão confiáveis são elas? Conforme afirma The Holy Blood and The Holy Grail, a fonte primária é a coleção de sete documentos enigmáticos arquivados na Biblioteca Nacional de Paris, onde são conhecidos como Dossiers secret (dossiês secretos).

À primeira vista, eles se parecem com uma mistura entre genealogias históricas, textos e obras alegóricas mais modernas, que são atribuídas a autores anônimos com pseudônimos espalhafatosos ou com nomes de pessoas que não têm nenhuma relação com eles.

Muitas dessas notas referem-se à suposta obsessão Merovíngia da socie­dade, e se concentram no famoso mistério de Rennes-le-Château, um remoto povoado na região de Languedoc, ponto de partida para Baigent, Leigh e Lin­coln realizarem suas investigações (falaremos mais sobre isso depois).

No entanto, a partir daí surgiram outras questões que, para nós, têm um significa­do muito maior e com as quais havíamos lidado apenas brevemente. O primei­ro volume dos dossiês secretos foi arquivado na biblioteca em 1964, embora a data registrada seja de 1956. O último item foi arquivado em 1967.

Pode-se, com toda razão, caracterizar grande parte do conteúdo dos dossiês como sendo algum tipo de piada. Entretanto, advertimos contra tal reação porque, através de nossa experiência em relação ao Monastério de Sion e seu modus operandi, podemos afirmar que ele é perito na arte de divulgar desinformações de forma completa, deliberada e detalhada. Por trás dessa cortina de fumaça de tergiversação, confusão e tolices, há uma intenção muito coerente e muito séria.

Contudo, a suposta obsessão em restaurar a linhagem Merovíngia, extinta já há muito tempo, a uma posição de poder na França moderna, nem mesmo em um milhão de anos poderia fascinar e motivar, durante um perío­do tão longo, pessoas tão famosas e importantes quanto Leonardo da Vinci e Isaac Newton.

A insinuação encontrada nos dossiês secretos que relaciona a questão da sobrevivência da dinastia para além do Rei Dagoberto II, sem mencionar a continuidade de uma linha direta de descendência até o final do século vinte, é na melhor das hipóteses frágil e, na pior, deliberadamente fabricada.

Afinal, qualquer um que já tenha tentado traçar a árvore genea­lógica de sua própria família, para além de duas ou três gerações, logo per­cebe o quão complexo e problemático é todo esse processo. Então, mais uma vez, colocamos a questão de como poderia uma causa como essa inspirar gerações de homens e mulheres extremamente inteligentes.

É realmente difícil imaginar que as preferências de Newton e Leonardo pudessem ser sobrepu­jadas por uma sociedade britânica cujos objetivos fossem restaurar o poder dos descendentes do Rei Haroldo II (assassinado por William, o Conquista­dor de homens, em 1066).

No que tange ao atual Monastério de Sion, há dificuldades enormes em concretizar os objetivos de restaurar a linhagem dos Merovíngios. Além de fazer da república francesa novamente uma monarquia, proposta rejeitada um século atrás, há ainda a questão de que, mesmo que essa restauração ocor­resse (presumindo-se que fosse possível provar a existência de um sucessor verdadeiro da dinastia dos Merovíngios), essa dinastia em particular não po­deria reclamar a coroa, já que a nação francesa sequer existia naquela época. Conforme colocou de forma sucinta o escritor francês Jean Robin; 'Dagober­to era...um Rei na França, mas de modo algum um Rei da França"

Os dossiês secretos podem parecer um completo absurdo, mas a magni­tude dos esforços e recursos colocados nele, e na manutenção de suas reivin­dicações, nos faz parar para pensar. Mesmo o escritor francês Gérard Sede, que devotou várias páginas muito bem argumentadas com o intuito de colo­car por terra as supostas evidências relacionadas à questão merovíngia co­locadas nos dossiês, admitiu que o volume de recursos à disposição para a pesquisa de estudiosos e acadêmicos era de uma desproporção impressio­nante.

Embora seja cáustico acerca 'desse mito delirante', ele, no entanto, concluiu que realmente há um mistério por trás disso tudo. Outra curio­sidade relacionada aos dossiês é a dedução óbvia de que o autor, ou autores, teve acesso aos arquivos oficiais do governo.

Tomemos apenas dois exemplos, dentre muitos: em 1967 uma brochu­ra foi adicionada aos dossiês e se chamava Le serpent rouge (A serpente vermelha), atribuída a três autores, Pierre Feugére, Louis Saint-Maxent e Gas­ton de Koker, com data de 17 de janeiro de 1967, embora o recibo de depósi­to na Biblioteca Nacional seja de 15 de fevereiro.

Esse texto extraordinário, de trinta páginas, que se pode apreciar como um exemplar de talentos a po­esia, também compreende astrologia, simbolismo alegórico e alquímico. A parte sinistra, entretanto, é que os três autores foram encontrados enforca­dos em um intervalo de vinte quatro horas, entre os dias 6 e 7 de março daquele ano.A conclusão óbvia é que essas mortes foram resultado da elabo­ração de Le serpent rouge.

Entretanto, investigações subseqüentes mostra­ram que a obra foi arquivada junto aos dossiês em 20 de março, após, portan­to, a morte dos três, e o recibo de depósito foi deliberadamente falsificado para mostrar a data de fevereiro. Mas, de longe, o mais assombroso dessa coisa toda, por si só totalmente estranha, é que esses três autores não tinham, na verdade, ligação alguma com esse texto, nem com o Monastério de Sion...

Alguém presumivelmente aproveitou-se da bizarra sincronicidade dessas três mortes e as utilizou para seus próprios e estranhos propósitos. Mas por quê? E, como nota Sede, passaram-se apenas treze dias entre as três mortes e o arquivamento do texto na Biblioteca Nacional. Foi, portanto, um trabalho muito rápido, o que torna bastante provável que o(s) autor(es) verdadeiro(s) tinha(m) acesso às investigações confidenciais da polícia.

E Franck Marie, escritor e detetive particular, provou conclusivamente que o mesmo tipo gráfico foi utilizado tanto em Le serpent rouge, como em alguns dos últimos documen­tos dos dossiês secretos.
Chegamos, então, ao caso dos documentos forjados do Lloyds Bank. Tidos como pergaminhos do século dezessete, foram encontrados por um padre francês no final do século passado e, supostamente, provavam a con­tinuidade da descendência Merovíngia.

Foram adquiridos por um inglês, em 1955, e depositados em um cofre de uma agência do Lloyds Bank,em Londres. Embora ninguém tenha realmente visto esses documentos, existiam cartas que confirmavam o fato de terem sido depositados. Estas eram assinadas por três proeminentes executivos ingleses, que já haviam tido conexões com o serviço secreto inglês.

Entretanto, durante a pesquisa para The Messianic Le­gacy (a seqüência de The Holy Blood and The Holy Grail) , Baigent, Leigh e Lincoln foram capazes de provar que as cartas eram forjadas, embora contivessem partes dos documentos genuínos que portavam as assinaturas verdadeiras, além de cópias dos registros de nascimento dos três executivos.

A questão mais significativa e de maiores conseqüências é que, provavelmente, quem quer que as tenha forjado obteve as partes genuínas dos documentos nos arquivos do governo francês, o que implicava seriamente o seu serviço secreto.

Mais uma vez, tivemos uma sensação bastante estranha. Um acúmulo enorme de tempo, esforço e talvez mesmo de perigo pessoal, deve ter sido utilizado para produzir essa trama tão bem elaborada. Contudo, em última análise, todo esse esforço parece ter sido completa e totalmente inútil. Na verdade, toda essa trama segue os ditames da antiga tradição dos serviços secretos, nos quais poucas coisas são o que aparentam ser e as coisas mais indubitáveis sobre determinadas questões podem muito bem ser apenas um exercício de desinformação.

Existe, porém, uma razão para se fazer uso de paradoxos, mesmo que sejam completamente absurdos. Temos a tendência de relembrar os absurdos e mais ainda os aspectos completamente ilógicos que, ao serem deli­beradamente apresentados como argumentos estritamente factíveis, têm um poderoso efeito em nosso inconsciente.

Afinal, o inconsciente é o lugar onde são criados nossos sonhos e opera com seus próprios tipos de paradoxo e não-lógica. E é esse inconsciente que motiva, cria, que, assim que tenha sido 'fisgado', continuará a trabalhar nas mensagens subconscientes por anos a fio, extraindo cada pedaço de significado simbólico do mais diminuto fragmen­to do que parece ser um palavreado sem sentido.

Os cépticos, que se orgulham em geral de sua sabedoria universal, são, com freqüência, curiosamente ingênuos, pois vêem tudo como se fosse pre­to ou branco, verdadeiro ou falso, que é exatamente a forma como certos grupos querem ser vistos.

Haverá melhor maneira de atrair atenção por um lado, mas, ao mesmo tempo, filtrar a entrada de intrusos indesejáveis ou de curiosos casuais por outro lado, do que se apresentar ao público com uma informação aparentemente intrigante, porém, virtualmente sem nenhum sen­tido?

É como se o próprio ato de se aproximar do significado real do Monas­tério por si só já constituísse uma iniciação: se sua disposição não for verda­deiramente essa, então, a cortina de fumaça se encarregará de impedi-lo de realizar uma investigação profunda.

Mas, se de alguma forma você realmente tem essa vontade, então logo lhe será dado - ou você mesmo descobrirá, de um modo tão sincrônico que chega a ser suspeito -, aquele conhecimento extra sobre os aspectos interiores da organização que fará, de repente, com que tudo se encaixe em seu lugar.

Em nossa opinião é um grande engano desprezar os dossiês secretos simplesmente porque sua mensagem manifesta é comprovadamente implausí­vel. O volume de trabalho e esforço colocados nos dossiês são um argumen­to em favor da possibilidade deles terem algo real a oferecer. Admitimos que muito tempo se gasta, de maneira obsessiva, em pesquisas ou obras extremamente vastas e completamente tolas, e as horas/trabalho envolvidas nisso sequer resultam em algo que valha a nossa atenção ou respeito.

Mas estamos lidando aqui com um grupo que, certamente, está trabalhando so­bre um plano intrincado, e, tomados em conjunto com todas as pistas e pal­pites (que ficarão mais claras no decorrer de nossa jornada), parece claro que alguma coisa está acontecendo.

Ou eles estão tentando nos dizer algo ou estão tentando esconder alguma coisa. Enquanto isso, mais pistas sobre sua importância continuam a aparecer.

Então, o que podemos deduzir das afirmações históricas feitas pelo Monastério? Remontarão realmente ao século XI, e contariam as suas fileiras com os nomes ilustres mencionados nos dossiês secretos? Inicialmente, pode-­se afirmar que sempre é difícil provar a existência, atual ou histórica, de uma sociedade secreta.

Afinal, quanto mais bem-sucedida é uma entidade em man­ter-se secreta, mais complicado é comprovar sua existência. Entretanto, poden­do-se demonstrar que existem reiterados interesses, assuntos e objetivos comuns entre aqueles que são tidos como pertencentes a esse grupo, durante anos, então é correto e mesmo sensato assumir que tal grupo pode realmente existir ou ter existido.

Mesmo que a lista de chamada dos Grão-Mestres do Monastério (de acordo com o que está escrito nos dossiês secretos) pareça ser totalmente inverossímil, comprovou-se, através da pesquisa de Baigent, Leigh e Lincoln, que ela não é aleatória. Existem realmente conexões persuasivas no pro­cesso sucessório dos Grão-Mestres.

Além de se conhecerem, e em muitos casos serem aparentados, esses luminares compartilham determinados inter­esses e preocupações. É sabido que muitos deles estavam associados a mov­imentos esotéricos e a sociedades secretas, tais como a Maçonaria, os Ro­sas-cruzes e a Compagnie du Saint-Sacrement, todas compartilhando alguns objetivos em comum.

Por exemplo, há um tema hermético peculiar que é comum às suas literaturas: uma sensação de arrebatamento ante a perspecti­va do Homem se tornar quase igual a Deus, na medida em que seu conheci­mento aumenta ilimitadamente.

Além disso, nossa própria pesquisa independente, que foi apresentada em nosso último livro, confirmou que aqueles indivíduos e famílias que esta­vam supostamente envolvidos com os interesses do Monastério durante o passar dos séculos, também eram a força motriz que sustentou o que pode ser chamado de O Grande Embuste do Santo Sudário.

Como já vimos, tanto Leonardo quanto Cocteau se utilizaram de simbolismo não ortodoxo em suas obras supostamente cristãs. Separados por 500 anos, o imaginário deles apresenta uma notável consistência, e outros escritores e artistas que estiveram ligados ao Monastério também se utiliza­ram desses motivos em suas obras.

Isso sugere que eles realmente faziam parte de algum tipo de movimento secreto e organizado, que já estava mui­to bem estabelecido na época de Leonardo.Tanto Leonardo quanto Cocteau foram mencionados como sendo Grão-Mestres, e se levarmos em conside­ração suas preocupações compartilhadas, parece razoável deduzir que eles realmente eram altos membros de algum grupo no mínimo bastante seme­lhante ao Monastério de Sion.

O grosso das evidências reunidas por Baigent, Leigh e Lincoln em Tbe Holy Blood and Tbe Holy Grail, a fim de comprovar historicamente a existência do Monastério, é incontestável. E as demais evidências, que têm sido reunidas por outros pesquisadores, foram publicadas na edição do livro por eles revisada em 1996. (Esse livro é essencial para qualquer pessoa que esteja interessada nesse mistério.)

Todas essas evidências demonstram que havia uma sociedade secreta operando desde o século XII, mas será o atual Monastério de Sion seu herdei­ro verdadeiro? Embora os dois grupos não devam, como querem, estar neces­sariamente vinculados, o atual Monastério tem realmente um conhecimento profundo sobre a história daquela antiga organização. Afinal, foi através de seus membros atuais que ouvimos, pela primeira vez, a respeito de um Monas­tério que existira no passado.

Porém, ter acesso aos arquivos do antigo Monastério não implica ne­cessariamente ser uma continuação genuína deste. Em uma conversa recente, o artista francês Alain Féral, que, como protegido de Cocteau, trabalhou com ele e o conhecia bem, disse-nos, de modo inflexível, que seu mentor não fora Grão-Mestre do Monastério de Sion. Pelo menos, Féral nos assegurou, Cocte­au não estava envolvido com essa organização à época da proclamação de Pierre Plantard de Saint-Clair como Grão-Mestre.

Entretanto, Féral conduziu sua própria investigação sobre certos aspectos da história do Monastério de Sion, especialmente no que se relaciona com o vilarejo de Rennes-le-Châ­teau, no Languedoc, e sua opinião é que aqueles que são listados como Grãos Mestres nos dossiês secretos, o que inclui Cocteau, estavam realmente conecta­dos através de uma genuína tradição oculta.

Nessa altura de nossa pesquisa, decidimos ignorar a suposta ambição política do atual Monastério e nos concentrar nos aspectos históricos, os quais poderiam, obviamente, jogar alguma luz sobre o passado.
Os dossiês secretos, descontando a mitomania Merovíngia, colocava grande ênfase no Santo Graal, na tribo de Benjamim e na personagem Maria Madalena do Novo Testamento. Por exemplo, em Le serpent rouge aparece esta declaração:

Daquela a quem quero libertar, eleva-se ante mim o perfume que impregna a sepultura. Antigamente alguns a chamavam ÍSIS, rainha das causas beneficentes, VENHAM ATÉ MIM TODOS AQUELES QUE SOFREM E QUE SE SENTEM ESMAGADOS E EU OS CONFORTAREI; outros, MADALENA, do famoso vaso de bálsamo curativo. Os iniciados conhecem seu nome verdadeiro: NOTRE DAME DES CROSS.

Essa pequena passagem é confusa, e não apenas porque a última frase, Notre Dame des Cross, não faz nenhum sentido (a menos que 'Cross' seja um sobrenome, e nesse caso ela se torna apenas um pouco mais inteligível). 'Des' é a palavra francesa para a preposição 'das', mas cross não existe na língua francesa, e, é claro, está no singular (Cross é a palavra inglesa para cruz). E há também a peculiar confusão de Ísis com Maria Madalena, afinal de contas, a primeira era uma deusa e a segunda uma 'mulher decaída', além de serem personagens pertencentes a culturas diferentes sem qualquer conexão visível.

Com certeza, pode-se pensar, há uma perplexidade que se manifesta de imediato ao vincular assuntos aparentemente tão distintos quanto Madalena, o Santo Graal e a tribo de Benjamim, para não mencionar a deusa egípcia Ísis, com a questão da dinastia Merovíngia.

Os dossiês secretos explicam que os Franco-Sicambrianos (Membros do povo germânico que conquistou Gaul no século VI d.C.)  a tribo de origem judaica da qual descendem os Merovíngios, eram a tribo perdida de Benjamim, que emigrou para a Grécia e então para a Alemanha, onde se tornaram os Sicambrianos.

Entretanto, os autores de Tbe Holy Blood and Tbe Holy Grail fizeram com que o cenário se tornasse ainda mais complexo. De acordo com eles, a importância da dinastia Merovíngia não estava meramente em ser o sonho impossível de um punhado de monarquistas excêntricos.

Suas afirmações colocaram a questão de um modo completamente diverso, um modo que captou a imaginação dos milhões de leitores que se entusiasmaram com esse livro. Eles afirmaram que Jesus fora casado com Maria Madalena e que dessa união nasceu um filho. Jesus teria sobrevivido à cruz, mas sua mulher partiu sem ele, levando seu filho para um colônia judia estabelecida naquilo que é hoje o sudoeste da França. Foram os descendentes dessa criança que se tor­naram a família poderosa dos Sicambrianos, e então fundaram a dinastia de reis Merovíngios.

Essa hipótese parece dar sentido ao que afirma o Monastério, mas pro­voca questionamentos ainda maiores. Como vimos, seja qual for sua origem, é impossível para qualquer linhagem hereditária sobreviver em estado 'puro', o que seria necessário para que aquela hipótese tivesse uma base sólida.

É inegável existir uma possibilidade real de Jesus ter sido casado com Maria Madalena, ou pelo menos ter tido algum tipo de relacionamento ínti­mo com ela (o que será discutido em detalhes mais tarde) e até mesmo que ele tenha sobrevivido à crucificação. De fato, ao contrário do que comumente se pensa, nenhuma dessas assertivas se baseia no trabalho de Baigent, Leigh e Lincoln, pois já vêm sendo discutidas há muitos anos, bem antes da publi­cação de The Holy Blood and The Holy Grail.

Há, entretanto, uma outra questão relacionada aos pressupostos que estão por trás desses argumentos, uma questão da qual Baigent, Leigh e Lincoln estão plenamente conscientes, embora tentem não chamar muita at­enção sobre isso.

Para eles, os Merovíngios são importantes porque são os descendentes de Jesus. Mas, se ele sobreviveu à crucificação, não poderia ser o redentor de nossos pecados, não teria ressuscitado e, portanto, não poderia ser divino, nem era o filho de Deus. Então, por que, perguntaríamos, seus descendentes seriam considerados tão importantes?

Um dos que, acredita-se, faz parte desse grupo de abençoados des­cendentes é ninguém mais, ninguém menos, que o próprio Pierre Plantard de Saint-Clair.Apesar da inflamada linguagem utilizada por alguns estudiosos ao comentarem tal hipótese, deve ser dito que ele mesmo nunca se declarou descendente de Jesus, e nunca é demais enfatizar que não é a idéia cristã de Jesus ser Deus encarnado, e portanto seu rebento ser de alguma maneira também divino, que dá ao caso da sucessão Merovíngia sua suposta importân­cia.

A base de toda essa crença é que, como Jesus descendia de Davi e, portan­to, do Rei legítimo de Jerusalém, esse título automaticamente pertence, mes­mo que teoricamente, à sua futura família. A questão política, mais do que a divina, é que está embutida na conexão Merovíngia.

Baigent, Leigh e Lincoln, claramente, formularam sua teoria a partir das afirmações colocadas nos dossiês secretos, mas em nossa opinião eles foram um tanto seletivos ao escolher as que citariam como evidência. Por exemplo, os dossiês afirmam que os reis Merovíngios, de seu fundador Merovée até Clovis (que se converteu ao cristianismo em 496), eram 'reis pagãos devotos de Diana'.  Isso é bastante difícil de reconciliar com a idéia de que eles eram descendentes de Jesus ou de uma tribo judia.

Um outro exemplo dessa curiosa seletividade por parte de Baigent, Leigh e Lincoln está relacionado ao 'documento Montgomery'. Este, de acor­do com os autores, é uma narrativa encontrada nos arquivos pessoais dos Montgomery, que lhes foi apresentada por um de seus membros.

A data de sua origem é incerta, mas a versão aqui referida origina-se no século XIX. Seu valor reside no fato de que, em essência, endossa as teorias divulgadas em Tbe Holy Blood and Tbe Holy Grail, embora, é claro, isso nada prove. Apenas fica estabelecido que a idéia de que Jesus fora casado com Maria Madalena já era discutida há pelo menos um século antes do início da pesquisa dos três autores.

O documento Montgomery conta a história de Yeshua bem Joseph (Je­sus, filho de José) que era casado com Miriam (Maria) de Betânia (o persona­gem bíblico que muitas pessoas tomam como sendo Maria Madalena). Como resultado direto de uma revolta contra os romanos, Miriam foi presa, sendo solta apenas por estar grávida. Ela, então, fugiu da Palestina, chegando a Gaul (no que hoje é a França), onde deu à luz uma menina.

Embora seja fácil ver o porquê do documento Montgomery ter sido pinçado por Baigent, Leigh e Lincoln como apoio para sua hipótese, é estra­nho não terem valorizado mais certos aspectos da história. Nessa narrativa, Miriam de Betânia é descrita como 'uma sacerdotisa do culto feminino', de forma idêntica à devoção dos Merovíngios à deusa Diana; isso adiciona um distinto verniz pagão à história, o que torna difícil reconciliá-la com a afir­mação de que o interesse primário do Monastério está na continuidade da descendência do Rei judeu Davi, da qual Jesus faz parte.

E é bastante interessante que o atual Monastério nem confirme, nem negue a hipótese colocada em The Holy Blood and Tbe Holy Grail, o que faz com que, mais uma vez, as suspeitas recrudesçam. Será que o Monastério de Sion está fazendo um jogo?

Uma coisa tornara-se bastante clara: a ambição que motiva o Monas­tério não está puramente relacionada ao poder político, como afirmam Bai­gent, Leigh e Lincoln. Mais de uma vez os dossiês mencionam pessoas - tanto entre os atuais Grão-Mestres quanto entre aqueles associados com o Monas­tério -, que não são prioritariamente políticos, mas sim ocultistas.

Por exem­plo, Nicolas Flamel, Grão-Mestre de 1398 a 1418, era um mestre alquimista, Robert Fludd (1595-1637) era rosa-cruciano e, mais próximo de nossa época, Charles Nodier (Grão-Mestre de 1801 a 1844) foi de grande influência para o renascimento do ocultismo nos dias de hoje.

Mesmo Sir Isaac Newton (Grão-­Mestre, 1692-1727), bem mais conhecido como cientista e matemático, era um devotado alquimista e hermetista, e certamente possuía muitas cópias comentadas dos manifestos rosa-crucianos.

E há, é claro, Leonardo da Vinci, um outro gênio a quem nossos contemporâneos de modo algum compreen­dem, vendo sua inteligência aguçada como fruto, apenas, de um pensamento materialista. De fato, como já vimos, suas obsessões tinham origem em diver­sas outras fontes, e o tornavam um outro candidato ideal para a lista dos Grão-Mestres do Monastério.

Causa surpresa que, ao mesmo tempo em que admitem o interesse no ocultismo de muitas dessas pessoas, Baigent, Leigh e Lincoln pareçam não dar valor ao amplo significado de suas obsessões. Afinal, em muitos casos, o ocultismo não era um passatempo ocasional, mas sim o foco principal de suas vidas. E nossa própria experiência tem indicado que os indivíduos re­lacionados com o atual Monastério também são ocultistas praticantes.

Assim, qual poderia ser o segredo capaz de arregimentar, por tanto tempo, tantas mentes brilhantes do ocultismo, dado que é improvável que essa seja a implausível história Merovíngia? Tão persuasivo e profundo quan­to possa ser The Holy Blood and the Holy Grail, sua explicação dos obje­tivos e movimentos do Monastério é, essencialmente, insatisfatória. Há com certeza alguma coisa acontecendo.

E é improvável que tenha apenas a ver com a legitimidade de uma monarquia francesa, dado o enorme volume de tempo e energia que isso parece ter exigido ao longo dos séculos. E o que quer que seja, deve ser algo tão ameaçador para o status quo a ponto de, mesmo após o iluminismo, ser mantido em segredo, ser um assunto guardado por uma rede de iniciados, que se mantêm ocultos.

Logo no início de nossa pesquisa sobre Leonardo e o Sudário de Turim, deparamo-nos, novamente, com o inevitável sentimento da existência de um segredo real que está sob a guarda, um tanto ciumenta, de um grupo seleto de pessoas.

Na medida em que nossas investigações prosseguiam, não havia meio de nos livrarmos das suspeitas de que os temas que detectamos, na vida e na obra de Leonardo, eram paralelos aos que tínhamos discernido no mate­rial divulgado pelo Monastério. E, certamente, isso valia no mínimo uma se­gunda checagem sobre a possibilidade desses mesmos temas também estar­em interpostos na obra de Jean Cocteau.

Já descrevemos o mural do artista na igreja de Notre-Dame de France, em Londres. Mas qual é a relevância desse imaginário notavelmente peculiar, para o trabalho muito anterior de Leonardo, e em relação a um suposto mov­imento esotérico ou mesmo herético?

A conexão mais óbvia com a obra de Da Vinci é o fato de o artista ter pintado a si mesmo desviando o olhar da cruz. Leonardo, como já mencio­namos, retratou a si mesmo desse modo ao menos duas vezes, em A Adoração dos Reis Magos e na Última Ceia. Levando em consideração a expressão do rosto na obra de Cocteau, a qual, certamente, denuncia um profundo descon­forto em relação à cena toda, talvez não estejamos indo tão longe assim se vislumbrarmos uma hostilidade similar na violência com que Leonardo voltou suas costas para a Sagrada Família na Adoração.

No mural de Cocteau, vemos o homem pregado na cruz apenas dos joelhos para baixo, o que torna suspeita sua verdadeira identidade. Como vimos na Última Ceia, a curiosa falta generalizada de vinho parece suscitar uma questão muito séria sobre a natureza do sacrifício de Jesus: aqui o artista vai ainda mais longe, simplesmente não mostrando a figura de Jesus.

Muito semelhante, também, é a utilização de um "M" gigante. Na obra de Cocteau esse "M" liga as duas mulheres em prantos, presumivelmente, a Virgem Maria e Maria Madalena. Mais uma vez, pode-se assumir que é a última que desvia o olhar da figura de Jesus. Enquanto sua mãe olha para baixo, chorando, é a mulher mais jovem que lhe dá as costas. Na Última Ceia o "M" liga Jesus a um efeminado São João, e esta 'dama M' também está se afastando o quanto pode dele, enquanto, ao mesmo tempo, parece permanecer próxima.

O mural de Cocteau também contém um simbolismo que, a partir do momento em que tomamos conhecimento das preocupações do Monastério de Sion, está completa e explicitamente conectado a este. Por exemplo, há cinqüenta e oito pontos mostrados nos dados que estão sendo lançados pe­los soldados, e este é o número esotérico do Monastério.

A brilhante e enorme rosa vermelho-azulada aos pés da cruz é, cla­ramente, uma alusão ao movimento rosa-cruciano, o qual, como veremos, tem fortes ligações com o Monastério e certamente com Leonardo.
Conforme já vimos, os membros do Monastério acreditam que Jesus não morreu na cruz e algumas de suas facções afirmam que uma vítima sub­stituta sofreu o que estava destinado a ele.

Julgando pelo imaginário estampado neste único mural, pode-se ficar tentado a pensar que este representa apenas a visão particular de Cocteau. Por exemplo, não apenas não enxergamos o rosto da vítima, como há também a inclusão de uma figura que não está usual­mente associada à cena da crucificação.

É o homem que está na extrema direita, cujo único olho visível está desenhado de forma a assemelhar-se com um peixe, certamente uma alusão ao código, utilizado nos primórdios do cristianismo, para designar 'Cristo'.

Então, quem é essa figura de olhar de peixe? Sob a ótica cristã do Monastério, a de que Cristo nunca sofrera o mar­tírio da cruz, não poderíamos chegar à conclusão de que essa figura extra não é senão o próprio Jesus? Seria o suposto Messias realmente uma tes­temunha da tortura e morte de um substituto seu? Se isso é verdade, podemos com certeza imaginar seu estado emocional.

Mais uma vez então, tanto no mural de Leonardo quanto no de Cocteau, nós vemos a Dama M, em ambos os casos, com certeza, Maria Madalena.Ago­ra, sabendo da crença do Monastério de que ela era casada com Jesus, isso explicaria o porquê de fazer ela parte da Última Ceia, postada ao lado direi­to de seu marido, e porque ela, e a sua 'outra metade', estão usando roupas iguais e invertidas, como imagens no espelho.

Embora exista uma pequena e pouco conhecida tradição, da era medie­val e do início da Renascença, de retratar Madalena na Última Ceia, Leonar­do fez saber que o personagem à direita de Jesus era São João. Então, por que ele tramou tal ilusão? Seria, talvez, uma maneira sutil de dar ao seu imaginário um poder subconsciente?

Afinal de contas, o artista nos diz ser este um homem, mas nosso cérebro nos diz que é uma mulher, e a confusão faz nosso subconsciente ponderar contínua e longamente sobre essa questão.
Tanto no mural de Cocteau quanto no de Leonardo, Madalena parece estar expressando, calmamente, através de seu corpo, suas dúvidas sobre o suposto papel de Jesus.

Ela, realmente, era assim tão próxima a ele a ponto de saber a verdadeira história? Seria Madalena realmente a mulher de Jesus, e, portanto, cúmplice na ocultação da verdade relacionada ao que aconteceu na crucificação? Será esse o motivo dela se voltar para o outro lado?

O papel de Madalena é sutilmente, senão subliminarmente, enfatizado na Última Ceia, mas a maior obsessão de Leonardo, parece estar com aquele personagem trágico do Novo Testamento, São João Batista. Se ele realmente era membro do Monastério de Sion, e dada a enorme ênfase que este dá à linhagem hereditária de Jesus, essa obsessão com o Batista se mostra um tan­to confusa. Porém, será que isso se coaduna com os interesses do Monastério de Sion?

Nosso misterioso informante, Giovanni, nos deixara com uma questão inquietante: 'por que os Grão-Mestres são sempre chamados de João? 'Na época nós achamos que isso era algum tipo de insinuação semi-velada ao seu próp­rio cognome, e inclusive mencionamos que ele mesmo não era nenhum sol­dado raso. De fato, porém, ele estava chamando nossa atenção para um outro assunto muito mais significativo.

Os Grão-Mestres do Monastério são conhecidos na organização como ‘Nautonnier' (Timoneiro) e também recebem o nome de 'Jean' (João) ou, se forem mulheres, Jeanne (Joana). Leonardo, por exemplo, aparece nas listas como Jean IX.

Vale a pena notar, pois bastante peculiar para uma antiga ordem cavalheiresca, que o Monastério sempre afirmou ser uma sociedade secre­ta com oportunidades iguais para todos, e quatro de seus Grão-Mestres foram mulheres, (atualmente uma das seções francesas do Monastério está sob con­trole de uma mulher). Entretanto, essa política é totalmente consistente com a verdadeira natureza e objetivos do Monastério, de acordo com o modo como viemos a entendê-los.

As preocupações do Monastério são indicadas pelos títulos que eles utilizam em sua hierarquia organizacional. De acordo com os estatutos, abaixo dos Nautonnier há um grau que consiste de três iniciados, chamados de 'Prince Noachite de Notre Dame', e abaixo desses há um grau de nove mem­bros chamados de 'Croisé de Saint Jean' ou 'Cruzados de São João' (o último aparece apenas como 'Condestável' nas últimas versões dos estatutos).

Há ainda outros seis graus, mas os três primeiros, compreendendo os treze membros do alto escalão, formam o corpo de direção. Coletivamente este é conhecido como Arch Kyria. Kyria é uma palavra grega cortês para designar mulher, o equivalente na língua inglesa a 'lady' (senhora).

Especificamente, no mundo helênico dos primeiros séculos antes da era cristã, este era o epíteto para a deusa Ísis.

O primeiro Grão-Mestre da sociedade, deve ser dito, chamava-se realmente João, Jean de Gisors, um nobre francês do século XII. Mas o enigma real está no curioso fato de que seu título no Monastério era na verdade 'Jean II' . Segundo as próprias indagações dos autores de The Holy Blood and the Holy Grail:

Uma questão maior, é claro, será: qual João? João, o Batista? João, o Evangelista, o 'Apóstolo Amado' do Salmo IV? Ou João, o Divino, autor do Livro das Revelações? Parece-nos que não é nenhum desses três...quem, então, era Jean I?

Um outro pensamento-conexão provocador relacionado a 'João' é mencionado no livro de 1982 Rennes-le-Château; capitale secrete de l'histoire de France, de Jean-Pierre Deloux e Jacques Brétigny. Os autores são conhe­cidos por estarem bastante envolvidos com Pierre Plantard de Saint-Clair. Estavam presentes, por exemplo, entre os que receberam Baigent, Leigh e Lincoln no encontro destes com Pierre Plantard nos anos 80.

Plantard, com certeza, contribui bastante para aquele livro. Uma óbvia propaganda do Monas­tério, o livro explica como a sociedade se formou. (Deloux e Brétigny tam­bém escreveram artigos relacionados ao Monastério de Sion na revista L'Inexpliqué, a versão francesa para The UnexPlained, que, de acordo com algumas pessoas, era financiada pelo Monastério).

A idéia principal era a de se formar um 'governo secreto', tendo Godofroi de Bouillon, um dos líderes da Primeira Cruzada, como gênio inspirador. Na Terra Santa, Godofroi se deparou com uma organização chamada Igreja de João e, então, 'formulou um grande projeto'. 'Colocou sua espada a serviço da Igreja de João, essa Igreja esotérica e de iniciação que representava a Tradição, baseada na primazia do Espírito'.

Foi a partir desse grande projeto que se formaram o Monastério de Sion, a organização que sempre chamou seus Grão-­Mestres de 'João', e os Cavaleiros Templários. E como nos diz Pierre Plantard de Saint-Clair através de Deloux e Brétigny:

Assim, no início do século XII, reunimos os significados temporal e espiritual, o que permitiu realizar o sonho sublime de Godofroi de Bouillon: a Ordem do Templo seria a espada da Igreja de João e os porta-estandartes da primeira dinastia, os braços obedientes ao espírito de Sion.

O resultado desse fervilhante 'joanismo' seria o 'renascimento espiri­tual' , que faria o 'cristianismo ser virado de cabeça para baixo'. Apesar de sua importância óbvia para o Monastério, a ênfase em 'João' permanecia total­mente obscura, e no início da investigação nós nem sabíamos qual João era tão reverenciado, muito menos o porquê. Qual é, porém, a razão dessa obscuridade?

Por que eles não nos dizem a que João estão se referindo? E por que razão essa reverência (um tanto extrema), por qualquer um desses san­tos João, seria uma ameaça aos alicerces do cristianismo?

É possível pelo menos dar um palpite em relação ao João que o Monas­tério tinha em mente, se tivermos em vista a obsessão de Leonardo pelo Batista. No entanto, como vimos, o conceito que o Monastério faz do papel de Jesus é bem pouco ortodoxo e, portanto, parece ilógico acreditar que isso esteja de acordo com a reverência a um homem que, supostamente, deve sua im­portância apenas ao fato de ser o antecessor de Jesus. Poderia ser que o Monas­tério, como Leonardo, reverenciasse João Batista como sendo superior a Je­sus?

É uma idéia perturbadora. Se há alguma razão para acreditar que o Batista fora superior a Jesus, então as repercussões seriam de uma magnitude traumática inimaginável para a Igreja. Mesmo que a visão "joanina" fosse base­ada em um engano, não há dúvida dos efeitos que essa crença causaria se fosse mais difundida. Seria quase a última heresia, e os dossiês secretos en­fatizam repetidamente o caráter anti-clerical dos descendentes Merovíngios, e seu positivo encorajamento a essa heresia.

O Monastério é astuto o bastante para achar que a heresia é algo muito conveniente para algumas de suas própri­as razões.

Percebemos que a suposta heresia Batista teria implicações atordoantes, e que, se penetrássemos mais a fundo no Monastério, iríamos nos defrontar, mais cedo ou mais tarde, com a questão de João Batista, embora de início não estivéssemos convencidos de que encontraríamos qualquer evidência que apoiasse essa heresia.

Naquele momento, tudo que tínhamos como evidência em relação às crenças do Monastério sobre o Batista era a manifesta obsessão de Leonardo para com ele, e o fato de que os Grão-Mestres eram todos chamados de 'João'. Francamente, não tínhamos qualquer esperança verdadeira de encontrar algo mais concreto do que isso, mas, com o passar do tempo, iríamos descobrir evidências muito mais sólidas de que o Monastério era realmente parte de uma tradição joanina.

Com ou sem evidência a apoiá-la, essa heresia permanecera crível para várias gerações de associados do Monastério. Era esse, ao menos em parte, o grande segredo que eles supostamente possuíam e guardavam com tanta te­nacidade?

A outra figura do Novo Testamento de imenso significado para o Monas­tério é, como já vimos, Maria Madalena. Os autores de The Holy Blood and The Holy Grail explicaram que sua particular importância está relacionada apenas ao (suposto) fato de que ela fora casada com Jesus e era mãe de seu filho. Mas levando em conta a admiração nada incondicional do Monastério em relação a Jesus, essa explicação é bastante frágil. Para a organização, Ma­dalena parece ter alguma importância por si mesma, e Jesus por si mesmo é quase irrelevante.

Na história dos 'documentos Montgomery', por exemplo, seu papel está confinado simplesmente a ser o pai, e ele não participa de modo algum do resto da narrativa. Pode-se até dizer que, mesmo sem rela­cioná-la a Jesus, há algo de suma importância nessa mulher.

Mais tarde, durante nossas pesquisas, tentamos arranjar um encontro com Pierre Plantard Saint-Clair, para falar sobre algumas questões relacionad­as ao interesse do Monastério por Maria Madalena. Recebemos uma resposta do secretário de Plantard, Gino Sandri, um italiano que vive em Paris, que, embora curta e concisa, exalava a célebre manobra de desvio de atenção do Monastério. No comunicado, Sandri disse que talvez pudesse nos ajudar, mas 'quem sabe vocês já não possuam a informação de que necessitam?'.

Essa era uma indicação clara de que ele sabia alguma coisa sobre nós, porém, não levamos isso muito a sério. Ele parecia querer afirmar que já tínhamos toda a informação de que precisávamos e que dependia de nós torná-la compreen­sível.A carta de Sandri portava ainda uma outra tentativa de nos desviar: em­bora fosse postada em 28 de julho, a carta dentro do envelope fora datada de 24 de junho, dia de São João Batista.

Para um leigo, qualquer conexão particularmente esotérica entre Ma­ria Madalena e João Batista é um assunto fantástico, pois os Evangelhos conhe­cidos não registram sequer que eles tenham se encontrado.

Há aqui, aparentemente, mais um antigo segredo que envolve e reverencia a ambos, de um modo bem claro. O que havia com esses personagens do século I que pudesse assegurar uma tradição, 'talvez herética', tão duradoura? O que po­deriam representar que fosse capaz de causar tanta preocupação à Igreja?
Assim sendo, pode-se imaginar como era difícil saber por onde começar. No entanto, por onde quer que começássemos a nos aprofundar na história de Madalena, uma região muito mais próxima de nossos lares do que Israel se elevava em importância.

O Monastério deu ênfase em particular à lenda que contava que Madalena fora levada para o sul da França, e, portanto, era para onde teríamos que ir, ao menos a fim de descobrir por nós mesmos se essa história era meramente uma fábula medieval criada visando lucros. Mas havia, desde o começo, algo especialmente atraente relacionado à conexão desse enigmático personagem do Novo Testamento com essa região, algo que estava além de considerações mercenárias. Pusemo-nos a campo para investigar o segredo de Madalena em sua própria terra natal.