Antigos textos alquímicos estão, deliberadamente, repletos de um imaginário elaborado e confuso, pois sua intenção era desencorajar o não-iniciado para que não tentasse descobrir seus segredos.
Como vimos, porém, a alquimia, em seu nível mais profundo, estava em busca da transformação pessoal, espiritual e sexual. Seus segredos estavam relacionados com as técnicas necessárias para se realizar a 'Grande Obra'. Realmente, reconhecendo o profundo interesse da alquimia pelo imaterial e pelo sexo, C.G. Jung viu nela a precursora da psicanálise.
Como vimos, a 'Grande Obra' dos alquimistas era uma rara experiência capaz de transformar a própria vida, embora ninguém saiba ao certo como se manifesta. No entanto, Nicholas Flamel (suposto Grão-Mestre do Monastério de Sion), que teria alcançado essa meta extraordinária em 17 de janeiro de 1382, em Paris, deixou bem claro que o havia feito na companhia de sua mulher, Perenelle.
Parece que eles eram particularmente dedicados um ao outro: ela também parece ter sido uma alquimista, muitas mulheres eram, em segredo. Mas Flamel enfatizou sua presença naquele fatídico dia como uma indicação da verdadeira natureza da Grande Obra? Será uma sugestão de que se trata de uma espécie de rito sexual?
Não há dúvida sobre a existência de pelo menos um componente sexual na prática da alquimia, como revela o clássico texto alquímico The Crowne of Nature, citado no Alchemy, de Johannes Fabricius:
Alva senhora, amorosamente unida a seu rubicundo marido, entrelaçados nos braços um do outro, no êxtase da união conjugal. Fundir e dissolver quando chegam à meta da perfeição: Eles eram dois, agora tornaram-se um, como um único corpo.
Existem duas disciplinas orientais que enfatizam a transcendência religiosa e espiritual da sexualidade: o tantra da Índia e o Taoísmo Chinês. Ambos são antigos, e extremamente respeitados em suas culturas. Enfatizam o potencial de certas práticas sexuais para o alcance da consciência mística, regeneração física e longevidade, e união com Deus.
Grande parte dessas práticas já são bastante conhecidas atualmente, mas o que não se sabe a não ser nos grupos de iniciados é que, surpreendentemente, existe um ramo alquímico, tanto no tantra quanto no taoísmo. Como veremos, isso se encaixa perfeitamente com a verdadeira natureza da alquimia ocidental.
Por exemplo, no tantrismo, a terminologia 'química' é entendida como uma demonstração das práticas sexuais. Como escritor ocultista Benjamim Wa1ker diz em Man, Myth & Magic:
Embora interessada de um modo ostensivo na transmutação de metais comuns em ouro, e em recipientes, ferramentas e utensílios, instrumentos para o comércio, e com os movimentos rituais do alquimista em seu local de trabalho, o lugar da verdadeira alquimia é dentro do próprio corpo.
A ironia está em que os elementos sexuais de alquimia ocidental tem sido costumeiramente tomados como uma metáfora para processos químicos! Como Brian Innes observa em seu artigo para The Unexplained, sobre a alquimia sexual do tantra e do taoísmo:
A íntima semelhança do imaginário - e das substâncias utilizadas - da alquimia em todas essas culturas é incrível. Mas uma das principais diferenças é que a alquimia européia medieval parece não ter qualquer base sexual explícita.
Havia, entretanto, uma enorme diferença entre a imagem pública e os níveis de aceitabilidade da alquimia no Ocidente e no Oriente. Na China e na Índia a alquimia não era uma ciência proibida, e as atitudes em relação ao sexo não eram tão neuróticas e reprimidas quanto na Europa; então, podia-se ser mais aberto e honesto em relação ao trabalho alquímico.
Recentemente, a 'sexualidade sagrada' foi 'descoberta' pelo Ocidente. Em resumo, sexualidade sagrada é a noção de que a sexualidade é o maior dos sacramentos, proporcionando não só alegria como também unicidade com o Divino e com o universo.
O sexo é visto como a ponte entre o céu e a terra, trazendo a liberação de uma enorme energia criativa, além de revitalizar os amantes de um modo inigualável, até mesmo no nível celular. Saber sobre a sexualidade sagrada significa que os antigos textos alquímicos podem, finalmente, ser completamente entendidos no Ocidente, embora (como sempre) sejam os pesquisadores franceses que estejam mais desejosos de explorar esse aspecto daqueles textos. Dos poucos escritores anglo-saxãos que não se inibem com o assunto, A.T. Mann e Jane Lyle dizem em seu livro Sacred Sexuality (1995):
É difícil colocar em dúvida que os ensinamentos alquímicos contenham mágicos segredos sexuais que estão bem próximos do conhecimento tântrico. Em razão de sua complexidade e diversidade, a alquimia disfarçou outros mistérios sob o manto de alegorias poéticas que só a mente do iniciado é capaz de penetrar.
André Nataf, um dos muitos escritores franceses que tocam nesse assunto, diz: ‘... o segredo que a maioria dos alquimistas perseguia era erótico... a alquimia é, simplesmente, a conquista do amor, a "fusão" entre o erótico e o espiritual'.
O tantrismo e o taoísmo são há muito tempo reconhecidos como os canais da tradição oriental para a sexualidade sagrada, mas não existe no Ocidente uma tradição desse tipo que seja claramente definida e facilmente determinável, a menos que fosse simplesmente conhecida como alquimia.
O imaginário sexual dos textos alquímicos só se tornou óbvio em nossa época pós-freudiana: a Lua diz para seu cônjuge, o Sol: 'Oh! Sol, tu nada fazes sozinho se eu não estiver presente com minha força, como um galo se desespera na ausência de uma galinha'.
Experiências químicas tomavam a forma de 'casamentos' ou 'cópulas', exatamente como o tratado de Johann Valentin Andrea que se chamava The Chemical Wedding (O Casamento Químico).
Obviamente poderia ser que tal imaginário simplesmente significasse exatamente o que dizia: uma 'cópula' sendo apenas isso, e que não havia nenhum segredo escondido dentro do simbolismo alquímico.
Porém, as palavras foram cuidadosamente escolhidas a fim de transmitir complexas instruções, cobrindo um significado tanto sexual quanto químico. Os textos alquímicos, essencialmente, continham lições que eram ao mesmo tempo sobre a magia do sexo e sobre química.
Curiosamente talvez, dado o óbvio tom sexual da maior parte da tarefa, o senso histórico comum relativo à alquimia sempre foi o de vê-la apenas como um processo químico, sendo todo o seu simbolismo algo meramente fantasioso.
Assim foi, até que os mistérios do Oriente se tornassem mais amplamente conhecidos; antes disso nada existia onde fosse possível encaixar a idéia da alquimia sexual. Hoje, porém, tal problema já não ocorre, e esse conceito vem, rapidamente, ganhando reconhecimento.
Barbara G. Walker revela, sobre o significado subjacente da alquimia:
Alguns dos segredos se perderam, devido à preponderância do simbolismo sexual na literatura alquímica. 'Cópula de Atenas e Hermes' poderia significar misturar enxofre [sic] e mercúrio em um frasco; ou poderia significar o 'processo' sexual do alquimista e sua amada. As ilustrações presentes em livros alquímicos sugerem com mais freqüência o misticismo sexual.
Mercúrio ou Hermes era o herói alquímico que fertiliza o Vaso Sagrado, uma esfera em forma de útero ou ovo de onde nasceu o filius philosophorum.
Esse vaso pode ter sido real, um frasco de laboratório ou um recipiente; com mais freqüência, parecia ser um símbolo místico. Dizia-se que o fruto do Diadema Real aparecia na menstro meretricis, 'no sangue menstrual de uma puta', que poderia ser a Grande Prostituta, um antigo epíteto da Deusa...
(Walker, porém, não capta o essencial ao sugerir que, durante a procura do vas hermeticum, o Vaso de Hermes, os alquimistas o identificam com o vas spirituale, o vaso espiritual ou o útero, da Virgem Maria. Qual é a outra Maria habitualmente retratada portando um vaso ou jarro?
Quem é tradicionalmente mostrada usando um vestido vermelho-sangue ou encoberta sob o próprio cabelo vermelho? Qual outra Maria está associada com a idéia de prostituição e sexualidade? Mais uma vez vemos a Virgem Maria sendo usada para disfarçar o culto secreto a Madalena.)
Atualmente com freqüência falamos em 'química sexual'; para o alquimista, entretanto, isso tinha um significado muito mais profundo do que a idéia de atração imediata. Na revista esotérica francesa L'Originel, Denis Labouré, autoridade em ocultismo, discute a noção de alquimia 'interna' como oposta à alquimia 'metálica' e seu paralelo com o tantrismo, mas insiste em que isso era parte de uma 'herança da tradição Ocidental' (itálico nosso). Ele afirma:
Se a alquimia interna é bem conhecida pelo taoísmo ou hinduísmo, restrições históricas [i.e. a Igreja] obrigaram os autores ocidentais a serem mais prudentes. Não obstante, certos textos fazem uma insinuação clara a esse tipo de alquimia.
Ele então cita um tratado de Cesare Della Riviera, de 1605, e acrescenta:
Na Europa, a trilha desses antigos rituais [sexuais] passava pelas escolas gnósticas, a corrente alquímica e cabalística da Idade Média e do Renascimento, onde diversos textos alquímicos podem ser lidos em dois níveis diferentes, até que os encontremos novamente nas organizações ocultistas instituídas e estruturadas, principalmente na Alemanha, no século XVII.
Na verdade, o uso de simbolismo 'metalúrgico' remonta ao próprio surgimento da alquimia em Alexandria, entre os séculos I e III. Foram encontradas, nos feitiços da magia egípcia, metáforas metalúrgicas para o sexo: os alquimistas simplesmente adotaram o imaginário. Esse é um exemplo de um feitiço de amor egípcio atribuído a Hermes Trismegistus, datando do século I a.C., no mínimo, que se concentra na manufatura simbólica de uma espada:
Traga-a [a espada] para mim, temperada com o sangue de Osíris, e coloque-a na mão de Ísis... e tudo que se forja neste fogão de fogo também é soprado para dentro do coração e do fígado, no ventre e no quadril de [o nome da mulher].
Conduza-a para a casa de [o nome do homem] e faça com que ela passe para as mãos dele o que nas mãos dela está, para a boca dele o que na boca dela está, para o corpo dele o que no corpo dela está, para a vara dele o que no útero dela está.
A alquimia praticada na rede oculta e secreta da era medieval tomou forma originalmente no Egito, muitos séculos antes da era cristã. Ísis tinha um papel importante na alquimia daquele tempo.
Em um tratado intitulado Isis the Prophetess to her son Horus (Ísis, a Profetiza de seu filho Horus), Ísis conta como obteve os segredos da alquimia de um 'anjo e profeta', através de sua astúcia feminina. Ela o encorajou a alimentar a própria luxúria por ela até que não fosse mais possível contê-la; então recusou-se a se entregar até que ele lhe revelasse seus segredos, uma clara referência à natureza sexual da iniciação alquímica.
(Isso lembra a história do Papa Silvestre II e Meridiana, examinada no Capítulo Quatro, onde se narra como ele obteve seu conhecimento alquímico ao ter feito sexo com aquela figura feminina arquetípica.)
Outro tratado antigo, atribuído a uma alquimista chamada Cleópatra, uma iniciada da escola fundada pela legendária Maria, a Judia, contém um explícito imaginário sexual: 'Veja a completude da arte na união entre noivo e noiva, tornando-se um único'. Isso é incrivelmente semelhante a um texto gnóstico contemporâneo em que se lê:
Quando o macho atinge o momento supremo e a semente salta adiante, naquele momento a mulher recebe a força do macho e o macho recebe a força da mulher... É em razão disso que o mistério da união dos corpos é praticada em segredo, pois assim a conjunção da natureza não pode ser degradada como aconteceria se fosse vista pela multidão que menosprezaria o trabalho.
Os textos alquímicos antigos estão repletos de um simbolismo que indica as técnicas secretas da sexualidade sagrada, que, provavelmente, derivam de um equivalente egípcio para o tantrismo e o taoísmo. A existência de uma tradição como essa é revelada no texto conhecido como o 'Papiro Erótico de Turim' (onde hoje está guardado), que há muito é considerado como um exemplo da pornografia egípcia. Uma vez mais estamos diante de uma típica reação equivocada do mundo ocidental.
O que se julga pornográfico é, na verdade, um ritual religioso. Alguns dos mais antigos rituais sagrados do Egito eram de natureza sexual. Por exemplo, uma das práticas religiosas diárias do Faraó e sua cônjuge, provavelmente, envolvia ser ele masturbado por ela. Essa prática era uma reinterpretação simbólica da criação do universo pelo deus Ptah, que o fez por meios semelhantes.
As imagens religiosas nos palácios e templos retratam inequivocamente esse ato, que contudo foi julgado tão ultrajante pelos arqueólogos e historiadores que só recentemente seu significado foi conhecido, e, mesmo assim, o assunto ainda é discutido em tons hesitantes e apologéticos.
O Ocidente ainda tem um longo caminho a percorrer antes de conseguir apreender a aceitação total que os egípcios tinham do sexo como um sacramento.
Essa relutância em aceitar o significado que o sexo tinha para os antigos não é um fenômeno novo. Para os eruditos dos séculos I e II, o assunto não representava um problema, mas como nota Jack Lindsay, por volta do século VII, o simbolismo sexual presente nos tratados alquímicos são discutidos de um modo 'evasivo e oculto'.
Assim, desde o início, a alquimia ocidental tinha um forte aspecto sexual. Devemos então acreditar que na Idade Média essa profunda e influente tradição teria desaparecido completamente?
Algumas das antigas seitas gnósticas, como os carpocranianos de Alexandria, praticavam rituais sexuais. Não é de se surpreender que tenham sido condenados como corrompidos e repugnantes pelos padres da Igreja, e na ausência de registros menos hostis não temos como saber qual era o formato daqueles rituais.
Ao longo da história do cristianismo, as seitas 'heréticas' incorporavam uma atitude mais libertária em relação ao sexo, mas eram invariavelmente condenadas e suprimidas. Por exemplo, afirmou-se que os Irmãos e Irmãs de Espírito Livre, também conhecidos como adamitas, praticavam um 'segredo sexual', desde os séculos XIII ou XIV.
A filosofia dos adamitas foi uma influência marcante no tratado Schwester Katrei, o qual, como vimos, inclui indícios de familiaridade com a descrição de Maria Madalena nos Evangelhos Gnósticos, e a autora parece ter pertencido àquela seita.
Outro grupo envolvido com misticismo erótico, embora não fosse conhecido como uma seita religiosa, eram os trovadores do sudoeste da França, os famosos cantores do culto ao amor, cujos equivalentes alemães eram os minnesingers. Minne era uma mulher idealizada ou uma deusa.
O amor do cavaleiro por sua senhora reflete uma devoção a, e uma reverência para com, o Princípio Feminino. E o conteúdo dos poemas, uma mistura entre 'o espiritual e o carnal', pode ser visto como uma série de insinuações levemente veladas à sexualidade sagrada. Até mesmo a acadêmica Bárbara Newman, ao sumariar essa tradição, não pôde escapar de utilizar o saboroso idioma da sexualidade sagrada ao descrevê-la como:
... um jogo erótico com uma desconcertante variedade de opções: a pessoa poderia tornar-se a noiva de um Deus ou o amante de uma Deusa, ou fundir-se totalmente com o Amado e tornar-se ela própria divina...
Muito da tradição do amor cortês envolve a compreensão de técnicas específicas, por exemplo, a da maithuna, a retenção deliberada do orgasmo para induzir sensações de êxtase e consciência mística.
Como diz o autor e poeta britânico Peter Redgrove:
É possível localizar uma tradição inteira de maithuna (sexualidade tântrica visionária) na literatura romântica.
Os trovadores tinham a rosa como seu símbolo, talvez porque seu nome (tanto em francês como em inglês) seja um anagrama de Eros, o deus do amor erótico.Também há a possibilidade de que a onipresente 'senhora', aquela que deve ser seguida, ao menos de uma casta distância, devesse ser entendida como tendo um outro significado em uma leitura esotérica, como sugere o nome trovador em alemão, minnesinger.
Essa senhora arquetípica não poderia ter sido a Virgem Maria, pois embora tenha se pensado que a rosa fosse o seu símbolo na Idade Média, a verdade é que seu culto não precisava se esconder atrás de códigos. Além do mais, a flor que descrevia melhor suas qualidades não era a rosa erótica, mas o mais evocativo lírio branco: bonito mas austero, sem qualquer sugestão de carnalidade. Portanto, quem mais as canções dos trovadores celebrariam? Quem mais seria a tão amada 'deusa' dos grupos heréticos da época? Quem mais senão Maria Madalena?
As grandes janelas em forma de rosa das catedrais góticas sempre estão voltadas para o oeste, que é, tradicionalmente, a direção consagrada às deidades femininas, e nunca estão muito longe de um santuário dedicado à Madona (Minha Senhora) Negra. E, como vimos, essas estátuas enigmáticas são deusas pagãs com uma outra roupagem, são a personificação da antiga celebração da sexualidade feminina.
Sem contar a rosa sagrada, as catedrais góticas também continham outros imaginários pagãos. Por exemplo, o simbolismo do labirinto/teia de aranha de Chartres e outras catedrais é uma referência direta à Grande Deusa em sua manifestação como tecelã e senhora dos destinos do Homem, mas muitas outras igrejas também têm imagens de anfitriãs femininas.
Algumas delas são tão explícitas que, uma vez que sejam completamente compreendidas, os cristãos podem não ter mais o mesmo sentimento em relação a sua igreja. Por exemplo, as grandes entradas góticas por onde passaram inocentemente gerações de cristãos, são na verdade representações da parte mais íntima da deusa.
Atraindo o adorador para o escuro útero/interior da Mãe Igreja, elas são entalhadas com cumes afunilados, e em sua grande maioria têm até mesmo um botão de rosa no topo do arco que lembra um clitóris. Uma vez dentro, o devoto católico pára defronte da pia de água benta que, freqüentemente, é representada por uma concha gigantesca, símbolo da natividade da deusa; como Botticelli, suposto Grão-Mestre do Monastério de Sion imediatamente antes de Leonardo, retratou de modo atordoante em sua obra O Nascimento de Vênus.
(O búzio, que já fora o emblema dos peregrinos cristãos, é reconhecidamente um símbolo clássico para a vulva). Todos esses símbolos foram empregados deliberadamente pelos adeptos do Princípio Feminino, e embora sejam usados de um modo subliminar, ainda assim provocam um efeito inquietante no inconsciente.
Somando-se a isso uma música sublime, luz de vela e o aroma de incenso, não admira que freqüentar uma igreja inspire um fervor peculiar!
Para os iniciados nos mistérios, o Feminino era um conceito ao mesmo tempo carnal, místico e religioso. Sua energia e poder vinham da sua sexualidade e sabedoria, às vezes conhecida como a 'sabedoria da prostituta', obtida com o conhecimento da 'rosa', eros.
Como diz o ditado, 'Conhecimento é poder' , e segredos dessa natureza propiciavam um poder sem igual, e, portanto, representavam uma ameaça única para a Igreja de Roma, e até mesmo para todos os matizes de opinião cristã. O sexo só era, e em muitos casos ainda é, julgado aceitável entre aqueles cuja união era realizada com o intuito de procriar.
Por essa razão, não existe um conceito cristão para o sexo como ato de prazer, e muito menos como algo que possa trazer iluminação espiritual, como acontece no tantrismo ou na alquimia. (E enquanto a Igreja Católica proíbe a contracepção, outros grupos cristãos vão ainda mais longe: por exemplo, os mórmons desaprovam o sexo após a menopausa.)
Entretanto, o que todas essas regras inibitórias objetivam realmente é ter controle sobre as mulheres. Elas têm que aprender a ver o sexo com apreensão, ou porque ele é desagradável, mero dever matrimonial e nada mais, ou porque inevitavelmente conduz à dor do parto. Isso é fundamental para se entender como as mulheres eram vistas ao longo dos séculos pela Igreja, e pelos homens em geral: se as mulheres pudessem remover o medo da dor do parto, o caos se instalaria, indubitavelmente.
Um dos principais motivos por trás das atrocidades cometidas durante o período de caça às bruxas era o ódio e o medo às parteiras, cujo conhecimento de como aliviar a dor do parto representava uma ameaça para a civilização decente: Kramer e Sprenger, autores do infame Malleus Maleficarum, o livro de cabeceira dos caçadores de bruxas europeus, escolheram especificamente as parteiras para receberem o pior tratamento possível.
O terror causado pela sexualidade das mulheres resultou em centenas de milhares de mortos, a maior parte mulheres, no decorrer de três séculos de julgamentos de feitiçaria.
Desde os dias de misoginia dos primórdios da Igreja, quando duvidava-se até mesmo que as mulheres tivessem alma, tudo se fez para que elas se sentissem profundamente inferiores, em todos os aspectos. Não só eram consideradas como intrinsecamente pecadoras, como também eram a maior, às vezes a única, causa dos pecados dos homens.
Foi também ensinado aos homens que, ao terem pensamentos verdadeiramente luxuriantes, apenas estavam reagindo à astúcia diabólica da mulher, que os enfeitiçava fazendo com que tomassem atitudes que de outra forma sequer considerariam.
Um exemplo extremo dessa atitude pode ser encontrada na idéia da Igreja medieval de que uma mulher que fosse estuprada não só seria responsabilizada por ter provocado o ato, como também pela perdição da alma do estuprador, a quem ela teria que fazer uma reparação no Dia do Juízo Final.
Como escreve R.E.L. Masters:
Praticamente toda a culpa pelo horrível pesadelo que foi a caça às bruxas, e grande parte da culpa pelo envenenamento da vida sexual do Ocidente, deve ser imputada à Igreja Católica Apostólica Romana.
A Inquisição, que fora especificamente criada para ser usada contra os cátaros, logo e com extrema facilidade incorporou o novo papel de caçadora de bruxa, torturadora e assassina, embora os protestantes também a ela se juntassem, com muito gosto.
Os primeiros julgamentos de bruxas aconteceram em Toulouse, sede da Inquisição anti-cátaros. Teriam esses julgamentos cruciais acontecido em virtude do ódio a um possível catarismo residual, ou era um sintoma do medo que as mulheres do Languedoc instilaram nos inquisidores obcecados por sexo?
Subjacente ao ódio e medo de mulheres, estava o conhecimento de que elas têm uma capacidade sem igual para desfrutar o sexo. Os homens medievais podem não ter tido o benefício do ensino atual de anatomia, mas investigações pessoais não falhariam em revelar a existência desse órgão curiosamente ameaçador, o clitóris.
Aquela minúscula protuberância, tão inteligentemente, se não subliminarmente, celebrada como o botão de rosa no topo do arco gótico, é o único órgão humano cuja função é somente o de dar prazer. As implicações disso são, e sempre foram, enormes, sendo a causa, por um lado, de toda repressão patriarcal, e, por outro lado, do tantrismo e de todo ritual sexual místico.
O clitóris, que mesmo hoje é considerado um assunto pouco conveniente para ser discutido, revela que as mulheres são feitas para o êxtase sexual, talvez ao contrário dos homens, cujo órgão sexual tem a dupla finalidade de urinar e procriar.
E a tradição misógina do patriarcado judeu-cristão teve um tal êxito que apenas no século XX foi aceita no Ocidente a noção de que as mulheres desfrutem de sua sexualidade, o que até hoje ainda não foi aceito pela Igreja. Embora seja verdade que a desigualdade sexual e o puritanismo não são um desdobramento exclusivo das três grandes religiões patriarcais, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo - basta olhar o costume da Índia de queimar as viúvas juntamente com os esposos mortos -, ainda assim, a idéia de que o sexo é inerentemente sujo e vergonhoso é uma tradição ocidental.
E onde quer que tal atitude prevaleça haverá o desejo reprimido e a culpa que darão origem, inevitavelmente, a crimes contra mulheres, talvez até mesmo à caça a bruxas.
O puritanismo ocidental e seu medo e ódio ao sexo deixaram um terrível legado para o fim do milênio, na forma de espancamento de esposas, pedofilia e estupro. Pois onde quer que o sexo seja visto como algo suspeito, também o parto e as crianças serão vistas como intrinsecamente sujas, e as jovens serão vítimas da mesma violência sofrida por suas mães.
O Jeová do Antigo Testamento, um tanto contraditório e irascível, criou Eva e, é claro, viveu o suficiente para se lamentar disso. Quase logo depois de ter 'nascido' , ela revelou uma capacidade para pensar sobre si mesma que estava muito além da de Adão. Eva e a 'serpente' formaram uma equipe poderosa: isso dificilmente causaria surpresa, pois as cobras são símbolos antigos de Sophia, representando sabedoria e não maldade.
Deus, porém, não se mostrou contente quando a mulher que havia criado mostrou iniciativa e autonomia ao comer da Árvore do Conhecimento, querendo aprender. Após revelar uma curiosa falta de previsão em relação às capacidades de Eva, especialmente sendo onipotente e onisciente e criador de universos, Deus a condenou a uma vida de sofrimento, começando, vale notar, com a maldição de costurar... (pois ela e o infeliz Adão tiveram que fazer tangas com folhas de parreira para encobrir a nudez.)
Eva e Adão foram assim apresentados ao conceito de vergonha em relação aos próprios corpos e, é claro, sobre a própria sexualidade. Grotescamente, somos levados a entender que o próprio Deus ficara horrorizado pela visão dos corpos nus que ele mesmo criara.
Esse mito ingênuo proporcionou uma justificativa em retrospectiva para a degradação das mulheres, e desencorajou o possível alívio ginecológico e a agonia do parto. Negou voz às mulheres por milhares de anos, e humilhou, degradou e até mesmo demonizou o ato sexual, que deveria ser mágico e pleno de prazer.
Substituiu por vergonha e culpa o amor e o êxtase, e incutiu um medo neurótico de um Deus masculino que era aparentemente tão cheio de ódio a si mesmo que detestou sua melhor criação, a humanidade.
Desse mesmo maligno conto surgiu o conceito de pecado original, que condena até mesmo o inocente recém-nascido ao purgatório; até recentemente, esse conceito havia encoberto o maravilhoso milagre do nascimento com um manto de superstição e estorvo, e retirou o poder inigualável da fêmea, para o qual, é claro, ela foi preparada em primeiro lugar.
Embora ainda haja uma quantidade surpreendente de medo e ignorância em relação ao sexo em nossa cultura, as coisas estão bem melhores hoje do que há dez anos atrás. Diversos livros têm desbravado terras novas, ou talvez redescoberto um solo antigo. Entre estes está The Art of Sexual Ecstasy, de Margo Anand (1990), e Sacred Sexuality, de A. T. Mann e Jane Lyle (1995); ambos celebram o sexo como um meio para a iluminação e transformação espiritual.
Como já vimos, outras culturas não sofrem desse mesmo problema (a menos que estejam contaminadas pelo pensamento ocidental). E em certas culturas o sexo foi elevado até mesmo para além da arte: foi considerado um sacramento, algo que permite aos participantes tornarem-se um com o Divino.
Essa é a raison d'être do tantrismo, esse sistema místico de união com o divino através de técnicas sexuais como karezza, ou o atingimento do êxtase sem orgasmo. O tantrismo é a 'arte marcial' da prática sexual, necessitando uma incrível disciplina e um longo treinamento tanto de homens quanto de mulheres, que são considerados como iguais.
A arte tântrica, no entanto, não é exclusiva do exótico mundo oriental. Hoje em dia pode-se encontrar escolas sobre o tantra pululando em Londres, Paris e Nova York, embora o extremo rigor da arte afaste muitos; pode-se, por exemplo, levar meses para se aprender a respirar da maneira correta.
No entanto, a noção do sexo como um sacramento não é nova para o mundo ocidental.
Vimos o quão sexual eram as raízes da alquimia, e como o culto à rosa dos trovadores pode ser entendido como a veneração a eros. Notamos como os construtores das grandes catedrais, como a de Chartres, investiram tanto no símbolo da rosa vermelha e construíram santuários para a Madona Negra com suas poderosas associações pagãs.
Também pudemos ver que o Graal, enquanto taça, é um símbolo feminino, de um modo excepcionalmente descarado, na história de Tristão e Isolda. E como o grande herói do Graal muda seu nome de Tristão para Tantris... De fato, o romancista Lindsay Clarke descreve a poesia amorosa dos trovadores como sendo' os manuscritos tântricos do Ocidente'.
Nas lendas do Graal, a mangra jogada na terra está relacionada com a perda da potência sexual "do rei, com freqüência simbolizada por ele ter sido 'ferido na coxa'. No Parzival de Wolfram isso está mais explícito; a ferida é nos órgãos genitais. Isso tem sido visto como uma resposta à repressão da sexualidade natural pela Igreja.
A estagnação espiritual resultante só poderia ser eliminada pela busca do Graal que, como já vimos, sempre esteve especificamente vinculado às mulheres. Em uma pintura italiana do século XV, de cavaleiros do Graal adorando Vênus (ver primeira ilustração), não há qualquer razão para se duvidar da natureza da busca.
O que é acentuado tanto nas lendas de Graal quanto na tradição do amor cortês dos trovadores é a elevação espiritual das mulheres, e o respeito por elas. Achamos bastante significativo que ambos os ramos dessa tradição tenham ao menos parte de suas raízes no sudoeste da França.
A maioria dos pesquisadores contemporâneos acredita que o tantrismo chegou à Europa através do contato com a seita mística islâmica dos sufis, que incorporou as idéias da sexualidade sagrada em suas crenças e práticas. Não há realmente como negar a existência de paralelismos entre as linguagens utilizadas para expressar essas idéias pelos trovadores e sufis.
Será, entretanto, que o tantrismo sufi tenha criado raízes na Provença e no Languedoc porque já havia uma tradição semelhante naquela região? Já vimos que o Languedoc tinha uma tradição em apoiar a igualdade entre os sexos. E quando a caça às bruxas pela primeira vez caiu como uma sombra escura sobre a cidade de Toulouse, o que realmente se esperava que fosse erradicado? E uma vez mais nos deparamos com a personificação daquele culto ao amor, Maria Madalena.
Outra mulher que tinha uma estimativa do potencial místico do sexo foi Santa Hildegard de Bingen (1098-1179), relativamente pouco conhecida, até recentemente.
Segundo Mann e Lyle:
Uma grande visionária, Hildegard falava sobre o feminino, sobre a imagem inconfundível de uma deusa, que veio até ela após profunda contemplação: "Então, parecia que eu estava vendo uma menina de uma beleza radiante insuperável, com tal brilho irradiando de seu rosto que eu mal podia encará-la.
Usava um manto mais branco que a neve, mais luminoso que as estrelas; seus sapatos eram de puro ouro. Em sua mão direita segurava o sol e a lua, acariciando-os amorosamente. Em um de seus seios tinha uma placa de marfim onde aparecia, em tons de azul safira, a imagem de um homem.
E toda a criação chamou essa menina de senhora soberana.A menina começou a falar com a imagem em seu seio: 'Eu estava no princípio com você, no amanhecer de tudo que é sagrado, eu o atraí para fora do útero antes do dia começar'.
E então ouvi uma voz que me dizia. 'A menina que você vê é o Amor: sua morada é na eternidade'''.
Hildegard, como todos os corteses amantes medievais, acreditava que homens e mulheres podiam atingir a divindade amando um ao outro, e assim 'toda a terra tornar-se-ia um único jardim de amor'. E esse amor seria inteiro, uma expressão completa da união que envolve corpo e alma pois, como ela escreveu, "é o próprio poder da eternidade que criou a união física e decretou que dois seres humanos deveriam tornar-se fisicamente um".
Hildegard era uma mulher notável, imensamente instruída, especialmente em assuntos médicos. Seu grau de educação não pode ser explicado, ela própria o atribuiu às suas visões.
Talvez essa seja uma referência velada a alguma escola de mistério ou repositório semelhante de conhecimento.
Muitos de seus textos conhecidos demonstram familiaridade com a filosofia hermética.
Essa aclamada abadessa também descreveu em detalhes, e com grande precisão, o orgasmo feminino, as contrações uterinas e tudo o mais. Parece que seu conhecimento era mais do que meramente teórico, o que é, dizem, incomum para uma santa. Quaisquer que sejam os segredos sobre suas informações particulares, ela exercia grande influência em São Bernardo de Clairvaux, protetor e inspirador dos templários.
Esses monges-guerreiros aparentemente poderiam representar uma forte objeção à idéia de continuidade de uma tradição herética e secreta relacionada com o culto ao amor. Ostensivamente celibatários (embora houvesse rumores persistentes de uma difundida homossexualidade templária), parece bastante improvável que fossem representantes de uma prática filosófica que celebrava a sexualidade feminina.
Mas há claras indicações de tal uma ligação nas obras de um de seus partidários mais dedicados, o grande poeta florentino, Dante Alighieri (1265-1321).
Há muito tempo já se percebera que seus textos continham material gnóstico e hermético. Por exemplo, um século atrás Éliphas Lévi descreveu o Inferno de Dante como sendo 'joanino e gnóstico'.
O poeta fora diretamente inspirado pelos trovadores do sul da França, e era membro de uma sociedade de poetas que se autodenominavam o fidele d'amore, 'os fiéis devotos do amor'. Há muito considerado como sendo um círculo estético, estudos recentes começaram a desvendar outras motivações, mais secretas e esotéricas.
O respeitado acadêmico William Anderson, em seu estudo Dante the Maker, descreve o fidele d'amore como 'uma fraternidade reclusa dedicada a alcançar a harmonia entre o lado sexual e emocional de suas próprias naturezas e as aspirações intelectuais e místicas.
Ele se utiliza da pesquisa de eruditos franceses e italianos que concluíram que 'as senhoras que todos esses poetas veneravam não eram mulheres de carne e osso, pelo contrário, eram representações de um ideal Feminino, Sapientia ou Sabedoria Sagrada' e 'que a Senhora desses poetas era... uma alegoria da Divina Sabedoria que também se buscava'.
Anderson, como Henry Corbin, outro erudito, vê o caminho espiritual de Dante como a busca da iluminação através do misticismo sexual, como faziam os trovadores. Henry Corbin afirma:
O fidele d'amore, companheiros de Dante, professam uma religião secreta... a união que une o intelecto potencial da alma humana com a Inteligência Ativa... Anjo do Conhecimento, ou Sabedoria-Sophia, é visualizada e experienciada como a união do amor.
Entretanto, mais notável é a ligação que Dante e seus místicos companheiros estabelecem com os cavaleiros templários. Ele era um de seus partidários mais entusiásticos, mesmo depois de sua supressão, quando não era aconselhável ser vinculado a eles.
Na Divina Comédia, ele estigmatiza Filipe, o Justo, como 'o novo Pilatos', por suas ações contra os cavaleiros. Acredita-se que o próprio Dante fora membro de uma Ordem dos Templários terciária chamada La Fede Santa. As conexões são sugestivas o suficiente para serem simplesmente desconsideradas; talvez Dante não fosse a exceção, mas sim a regra, de um templário que estava envolvido com um culto ao amor.
Anderson afirma:
Em face disso, os templários, como uma ordem militar celibatária... seriam um canal bastante improvável para assuntos dedicados ao elogio de belas senhoras. Por outro lado, muitos templários estavam envolvidos com a cultura oriental e alguns deles bem que poderiam ter entrado em contato com escolas sufis.
E prossegue falando sobre as conclusões de Henry Corbin:
A ligação entre Sapientia [Sabedoria] e o imaginário do Templo de Salomão, junto com suas associações com o Grande Ciclo de peregrinação, leva à suposição de uma conexão entre o fidele d'amore e os cavaleiros templários, chegando até mesmo ao ponto de considera-los como uma confraternidade secular da ordem.
Juntamente com a evidência revolucionária que foi revelada por pesquisadores como Niven Sinclair, Charles Bywaters e Nicole Dawe, isso sugere que pelo menos a ordem interna dos cavaleiros realmente fazia parte de uma tradição secreta que venerava o Princípio Feminino.
Da mesma forma, aquele disputado ramo dos templários, o Monastério de Sion, sempre teve membros mulheres - e a lista dos Grão-Mestres inclui quatro mulheres -, o que é particularmente estranho porque seus nomes aparecem no período medieval, quando seria de se esperar que o sexismo fosse prevalecente.
Como Grãs-Mestra essas mulheres teriam exercido um poder real, e esse papel, sem dúvida alguma, exigia padrões particularmente altos de integridade e habilidade para lidar com os diversos níveis de interesses e egos contraditórios. Embora possa parecer estranho que mulheres tenham estado no topo de uma organização que, supõe-se, era extremamente poderosa, e em uma época em que até mesmo a alfabetização feminina não era de forma alguma comum, parece menos estranho quando visto dentro do contexto de uma tradição secreta devotada à deusa.
Apoiando muitas das escolas de mistério citadas estavam os rosa-cruzes, cujo interesse pelo misticismo sexual está presente até mesmo em seu nome: a cruz fálica e a coligada rosa feminina.
Esse símbolo de união sexual é remanescente da cruz ansada (ankh) dos egípcios antigos: a vertical sendo o falo e a volta ovalada a vulva. Os rosa-cruzes, com sua mistura de sabedoria alquímica e gnóstica, entendiam perfeitamente os princípios subjacentes, como o alquimista rosa-cruz Thomas Vaughan, do século XVII, explicou:' ... a própria vida nada mais é que a união dos princípios masculino e feminino, e aquele que perfeitamente sabe esse segredo sabe... como deve usar sua esposa...' (Lembre-se da enorme rosa ao pé da cruz no mural de Cocteau em Londres, uma clara alusão aos rosa-cruzes.
E a imagem da rosa-cruz é encontrada na tumba do templário SirWilliam Saint Clair...)
Mesmo que haja, como já vimos, evidências de que os templários, os alquimistas e o Monastério sejam devotos de um culto ao amor, parece haver pouca possibilidade de que a resoluta linhagem masculina de filósofos herméticos tivesse qualquer ligação com uma organização feminina, ou talvez feminista. Contudo, aqui também a imagem superficial é enganadora.
O próprio Leonardo é considerado um homossexual misógino, e é verdade que ele demonstrou ter pouco amor pelas mulheres, ao menos até onde sabemos. Sua mãe, a misteriosa Caterina, parece tê-lo abandonado à sua própria sorte quando ele ainda era criança, embora possa ter vivido seus últimos dias ao lado dele, muitos anos depois, e é certo que Leonardo teve uma empregada a quem se referia, ironicamente, como 'La Caterina', e cujo funeral ele pagou.
Ele pode ter sido um homossexual, mas isso nunca representou qualquer empecilho à devoção dos homens ao Princípio Feminino, muito pelo contrário. Os ícones dos gays tradicionalmente são mulheres fortes e vivazes que tiveram vidas traumáticas, exatamente como Madalena e a própria Ísis.
Além disso, Leonardo é conhecido por sua intimidade com Isabella d'Este, uma mulher educada e inteligente. Embora talvez seja levar muito longe a especulação sugerir que ela era membro do Monastério ou de alguma outra escola secreta 'feminista', isso pode significar, pelo menos, que Leonardo aprovava a alfabetização feminina.
O hermético florentino Pico della Mirandola dedicou muitas palavras ao tema do poder feminino. Seu livro La Strega (A Bruxa) relaciona a história de um culto italiano baseado em orgias sexuais e dirigido por uma deusa.
E ainda mais notável, ele equiparou essa deusa com a 'Mãe de Deus'.
Até mesmo Giordano Bruno, notoriamente masculino, estava fortemente envolvido com o feminino. Durante sua estada na Inglaterra, entre 1583-85, publicou várias obras que esboçavam a filosofia hermética, que pode ser encontrada em qualquer livro didático de história. No entanto, costuma-se ignorar o fato de que ele também havia publicado um volume de poesia de amor passional chamado De gli eroici furori (No Frenesi Heróico), que foi dedicado a seu amigo e protetor Sir Philip Sydney. Este não era nenhum hino a uma obsessão passageira, ou mesmo um olhar rápido na, até então, desconhecida vida secreta de um sedutor.
Embora se reconheça que havia um nível mais profundo nessa poesia, a maioria das autoridades acredita que isso era apenas uma expressão alegórica da experiência hermética. Na verdade, o amor cantado nessas obras não era alegórico, mas sim literal.
O furori do título é, citando Frances Yates: 'Uma experiência que faz a alma "divina e heróica" e pode ser comparada ao êxtase do furor do amor passional'. Em outras palavras, estamos mais uma vez olhando para um conhecimento do poder de transmutação do sexo.
Nesses poemas Bruno estava se referindo a um estado alterado de consciência no qual o hermético percebe sua própria divindade potencial. Esta é vista como o êxtase da união completa com a outra metade. Como Dame Frances afirma: '...Penso que a experiência religiosa do Eroici furori na verdade aponta para a gnosis hermética; essa é a poesia do amor místico do Mago, que foi criado divino, com poderes divinos, e está no processo de se tornar divino novamente, com poderes divinos'.
Mesmo considerando a tradição que Bruno estava seguindo, está claro que tais sentimentos não eram meramente metafóricos. Essa ênfase na iluminação através do sexo fazia parte da filosofia e da prática hermética. O conceito de sexualidade sagrada está em total concordância com as palavras do próprio Hermes Trismegistus no seu Corpus Hermeticum: 'Se você odeia seu corpo, minha criança, você não pode se amar'.
Os herméticos, como Marsilio Ficino, identificavam quatro tipos de estado alterado no qual a alma se unia com o Divino, cada um dos quais estava associada a uma figura mitológica: inspiração poética associada às Musas, entusiasmo religioso associado a Dioniso, transe profético associado a Apolo e todas as formas de amor intenso associado a Vênus. O último é o clímax em todos os sentidos, pois é quando a alma realmente completa sua união com o Divino.
Os historiadores sempre tomaram literalmente o primeiro desses três estados alterados, mas escolheram ler o último, o ritual de Vênus, como uma simples alegoria ou como uma espécie de amor impessoal ou espiritual. Se fosse esse o caso, os herméticos dificilmente o teriam categorizado em associação com Vênus!
A aparente timidez dos historiadores nesse assunto é devida à ampla ignorância sobre a tradição secreta. Este, no entanto, é um outro exemplo de conceitos que se pensou uma vez serem obscuros e que se tornam cristalinos assim que a idéia da sexualidade sagrada é levada em conta.
O grande mago hermético Henry Cornelius Agrippa (1486-1535) trata a questão de um modo bastante explícito.
Ele escreveu em sua clássica obra De occulta philosophia: 'Quanto ao quarto furor, vindo de Vênus, ele revira e transmuda o espírito do homem em um deus pelo ardor do amor, e o faz completamente como Deus, como a verdadeira imagem de Deus'.
Observe o uso do termo alquímico transmudar, que é geralmente empregado como referência à preocupação tola e fútil de tentar transformar o chumbo em ouro. Aqui, entretanto, busca-se um outro tipo de artigo precioso completamente diferente.
Agrippa também enfatiza que a união sexual é 'plena de mágica doação',
O lugar de Agrippa nessa tradição herética não deveria ser subestimado, Seu tratado De nobilitate et praecellentia foeminei sexus (Da Nobreza e Superioridade do Sexo Feminino), que foi publicado em 1529, mas baseava-se em uma dissertação sua vinte anos mais antiga, é muito mais do que uma reivindicação incrivelmente moderna pelos direitos das mulheres,
Esse trabalho surpreendente de Agrippa foi bastante negligenciado até bem recentemente, devido a uma tristemente previsível razão. Em virtude dessa obra ter defendido a igualdade sexual, chegando até a argumentar em favor da ordenação de mulheres, foi interpretada como sendo uma sátira! Que uma obra apaixonada em favor das mulheres tenha sido vista como uma piada, reflete a inflexibilidade de nossa cultura. Parece claro, porém, que Agrippa não estava brincando.
Ele não estava apenas discutindo o assunto em virtude do que hoje chamaríamos de direitos da mulher, para a redefinição do estado político da mulher, estava, sim, tentando transmitir o princípio que se encontra por trás de tal campanha. Como a professora Bárbara Newman, da Northwest University, diz, em seu estudo sobre o tratado:
...até mesmo um leitor simpatizante poderia não ter certeza se Agrippa estava reivindicando que se passasse por cima da questão do gênero, que houvesse igualdade de oportunidades na Igreja ou uma espécie de culto de mulheres.
Newman e outros eruditos ao rastrearem as fontes da inspiração de Agrippa chegaram a várias raízes que incluíam a cabala, a alquimia, o hermetismo, o neoplatonismo e a tradição dos trovadores. E, uma vez mais, a busca de Sophia é citada como uma das principais influências.
Seria um engano pensar que Agrippa estivesse apenas reivindicando o respeito e a igualdade para as mulheres. Ele foi muito além. Sua colocação era a de que as mulheres deveriam ser, literalmente, cultuadas:
Qualquer um que não esteja totalmente cego não pode deixar de ver que Deus reuniu toda a beleza que há no mundo inteiro na figura da mulher, assim toda a criação poderia se deslumbrar com ela, amá-la e venerá-la sob diversos nomes.
(E é significativo que Agrippa, como os alquimistas, acreditasse que o sangue menstrual tivesse uma aplicação prática e mística em particular. Eles acreditavam que esse sangue continha um tipo de substância química ou elixir única e inigualável, que ao ser ingerido de uma certa maneira, utilizando técnicas antigas, garantiria o rejuvenescimento físico e proporcionaria sabedoria.
Claro que nada poderia estar mais distante da posição da Igreja.)
Agrippa não era um mero teórico, e nem um covarde. Não só fora casado três vezes, como também teve sucesso no que pareceria ter sido impossível: defendeu uma mulher acusada de feitiçaria, e ganhou.
Claro que Vaughan, Bruno e Agrippa eram todos homens, e é tentador suspeitar que simplesmente desfrutaram do êxtase sexual em benefício próprio, mesmo se isso fosse algo profundamente espiritual. Porém, embora seja verdade dizer que qualquer mulher que ousasse escrever sobre tais assuntos teria sido presa e acusada de feitiçaria, também é verdade que o ritual de Vênus só seria considerado como 'realizado' se ambos os participantes atingissem as mesmas metas.
A idéia era fazer com que opostos e iguais trabalhassem para alcançar a mesma meta e receber a mesma iluminação enquanto parceiros, da mesma forma que na idéia chinesa de que a totalidade é composta de Yin e Yang.
Giordano Bruno não era o tipo de pessoa que guarda as próprias crenças para si mesmo. Em suas últimas obras publicadas, ele empregou um imaginário sexual ainda mais explícito, mas até mesmo isso foi colocado de lado pelos historiadores; se e quando essa questão é mencionada nas obras usuais relacionadas a Giordano, normalmente seu sentido é explicado como sendo alegórico.
Não apenas essa como outras referências explícitas e relacionadas, colocadas em suas obras, também são habitualmente mal interpretadas. Quando Bruno falou de uma 'deusa', referindo-se à senhora anônima para quem escrevia uma poesia de amor, isso foi compreendido como sendo um epíteto afetuoso.
E depois, quando deu adeus à Alemanha, dizendo de modo abrupto que a deusa Minerva era Sophia (sabedoria), isso também foi tomado como sendo outra alegoria. Suas verdadeiras palavras, no entanto, eram inequivocamente as de quem estava venerando uma deusa:
Ela, a quem tenho amado e procurado desde minha mocidade, e desejado para minha esposa, e fez-me um enamorado de sua aparência... e rogo para que... ela possa ser enviada para comigo viver, e comigo trabalhar, para que então eu saiba o que é que me faltava...
Ainda mais interessante, no entanto, é o fato de sua dedicatória do Eroici furori comparar essa obra ao Cântico dos Cânticos. Uma vez mais, nos encontramos em face do culto à Madona Negra e, por associação, com o de Madalena. (Claro que aquele outro grande escritor hermético/rosa-cruz da época, conhecido como William Shakespeare, dedicava seus sonetos a uma misteriosa Senhora Escura, cuja identidade tem sido fonte infinita de combustível para a discussão de gerações de críticos.
Embora essa mulher possa muito bem ter sido de carne e osso, ou quem sabe um homem, é também provável que ela representasse au fond (no fundo) a Madona Negra, a deusa escura. Realmente, o herméticos simbolizaram um particular estado alterado, um tipo de transe específico, como uma senhora de aparência escura.)
Os potentes ataques de Bruno às tradições e crenças cristãs o conduziram a uma morte terrível, servindo como aviso a outras almas que pretendessem ser valentes. As atrocidades cometidas nos julgamentos das bruxas, como já vimos, também reforçaram a necessidade de circunspeção por parte dos 'hereges'(e devemos lembrar que, embora as fogueiras há muito já tivessem sido abolidas, o último processo contra uma mulher sob a acusação de Ato de Feitiçaria no Reino Unido aconteceu no recente ano de 1944).
Contudo, a prática do amor transcendental, um segredo específico do mundo ocultista, não se limitava a indivíduos isolados, e não desapareceu junto com eles.
Há uma certa dificuldade em localizar na Europa uma tradição que seja claramente devotada à sexualidade sagrada, em razão do antagonismo da Igreja e a conseqüente necessidade de segredo entre os guardiães desse conhecimento. No entanto, nos séculos XVII e XVIII, a Alemanha pareceu ter se tornado o lar dessa tradição, embora pouca pesquisa sobre essa questão tenha sido feita até recentemente.
De acordo com pesquisadores franceses contemporâneos, como Denis Labouré, a prática da 'alquimia interna' na Alemanha tornou-se o ponto central de várias sociedades ocultas. Outra pesquisa recente, incluindo a do Dr. Stephen E. Flores, confirmou que o ocultismo alemão desse período era, em sua natureza, essencialmente sexual.
Um problema para pesquisadores dessa área é que, de modo geral, as evidências da existência de cultos dedicados ao sexo tendem a vir da Igreja, ou pelo menos dos que vêem satanismo em tudo que esteja conectado ao sexo. Tais movimentos, ao serem perseguidos, têm seus registros ou destruídos ou censurados, e tudo o que resta é a versão dos acontecimentos conforme vistos por seus inimigos.
Isso aconteceu com os cátaros e templários, alcançando seu aterrador ápice com o julgamento das bruxas. Vemos esse processo acontecer sempre que as idéias sobre sexualidade sagrada são expressadas, como aconteceu mais uma vez na França do século XIX.
Naquela época, emergiram vários movimentos inter-relacionados que, embora florescessem de dentro da própria Igreja católica e fossem centrados em pessoas que se consideravam bons católicos, incluía conceitos de sexualidade sagrada e de sublimação do Feminino (normalmente expressado na figura da Virgem Maria) e estavam conectados com uma obscura sociedade 'joanina', dessa feita especificamente ocupada com João Batista.
Essa é uma série de eventos de extrema complexidade a serem desvendados, em grande parte porque, a despeito das idéias e conceitos religiosos não ortodoxos e da sexualidade que os levou a serem tachados como imorais, também estavam estreitamente ligados a causas políticas, o que atraiu a hostilidade das autoridades. Portanto, quase que a totalidade dos relatos que temos sobre eles vem de seus inimigos.
Os motivos políticos desses grupos estão fora do escopo desta investigação, embora fossem muito importantes para os que na época estavam envolvidos. Basta dizer que apoiavam as pretensões de um certo Charles Guillaume Naündorff (1785-1845), que alardeava ser Luís XVII (e que se acredita ter sido assassinado ainda criança junto com seu pai, Luís XVI, durante a Revolução Francesa).
Um desses grupos era a Igreja de Carmela, também conhecida como o Oeuvre de la Misericorde (Obra da Misericórdia), estabelecida no início dos 1840 por Eugene Vintras (1807-1875).
Pregador carismático e entusiasmante, Vintras atraiu a nata da sociedade para seu movimento que, não obstante, logo passou a sofrer acusações de demonismo. Com certeza, os rituais tinham alguma espécie de conteúdo sexual, no qual (nas palavras de Ean Begg) 'o maior sacramento era o ato sexual'.
Para tornar as coisas ainda piores em relação às autoridades, Vintras e Naündorff endossavam um ao outro. Assim, inevitavelmente,Vintras colocou-se em uma posição que claramente o expunha a ir a julgamento. Acusado de fraude, embora até mesmo as supostas vítimas negassem ter havido qualquer crime, foi condenado a cinco anos de prisão, em 1842.
Ao ser libertado seguiu para Londres. Foi nesse momento, então, que um dos antigos membros de sua Igreja, um padre chamado Gozzoli, escreveu um folheto em que o acusava de realizar orgias sexuais de todos os tipos. Embora isso pareça ter sido basicamente fruto de uma imaginação fértil, ao menos em parte pode ter se baseado em fatos.
Em 1848, a seita foi declarada herética pelo Papa e todos os seus membros foram excomungados. A partir de então a seita tornou-se independente, contando com padres homens e mulheres, do mesmo modo que os cátaros, embora não se tenha certeza se o culto de Vintras seguia os mais altos princípios destes.
Por trás de Vintras e Naündorff estava uma seita obscura conhecida como 'os Salvadores de Luís XVII', ou como os joaninos. Esse grupo remonta aos anos de 1770, e parece ter tomado parte na agitação social que precedeu a Revolução.Ao contrário dos joaninos 'maçônicos' examinados anteriormente, não tinham nenhuma dúvida sobre qual São João veneravam, era o Batista.
Após a Revolução, os joaninos passaram a se ocupar com a restauração da monarquia. Eles, em grande parte, eram os responsáveis pelo lançamento de Naündorff como pretendente ao trono, e também estavam por trás de movimentos 'proféticos' como o de Vintras.
Outro autodenominado 'guru' da época, Thomas Martin, que tinha meteoricamente passado de simples camponês para conselheiro de rei, tinha o apoio dos joaninos, e além disso parecem ter de algum modo 'fabricado' algumas visões da Virgem, como as de La Salette, nos contrafortes dos Alpes ocidentais, em 1846.
O que estava exatamente acontecendo é difícil dizer, mas é possível identificar as linhas gerais que transpassavam determinados eventos que estavam aparentemente associados.
Primeiro, havia uma tentativa de regenerar o catolicismo de dentro de si mesmo. Isso significava substituir o dogma popular, baseado na autoridade de Pedro, por um cristianismo místico e esotérico, na crença de que estava amanhecendo a era na qual o Espírito Santo estaria em supremacia.
Um aspecto dessa supremacia era a ascensão do Feminino, cuja representação era a Virgem, que logo assumiu um caráter sexual mais explícito e começou a tornar-se algo ativamente hostil para a Igreja. A visão de La Salette, que fora condenada pela Igreja, era um ponto central nesse plano. E de alguma maneira o papel de João Batista era crucial nesses desdobramentos.
O movimento também apoiava a tentativa de fazer com que Naündorff fosse reconhecido como o rei legítimo da França, provavelmente porque, se tivesse tido sucesso, ele teria sido favorável a essa nova forma de religião (pois já havia endossado Vintras).
Melanie Calvet, a menina que teve a visão de La Salette, apoiava Naündorff. E é interessante que a Igreja tenha reagido a isso enviando-a para um convento em Darlington, no nordeste da Inglaterra, onde não poderia causar mais nenhum problema.
As forças combinadas da Igreja e do Estado impediram que o grande plano do movimento fosse bem-sucedido, e o que quer que tenha realmente acontecido está agora enterrado sob uma avalanche de escândalos e insinuações.
Mas é sem dúvida significativo que a reação da Igreja para essa ameaça fosse fazer da Imaculada Conceição de Maria um artigo de fé, em 1854. (Essa doutrina seria convenientemente endossada pela própria Virgem Maria quando apareceu para a menina camponesa Bernadette Soubirous, em Lourdes, cerca de quatro anos depois, embora esta a princípio tenha descrito sua visão como, simplesmente, 'aquela coisa'.)
Profetas como Martin e Vintras parecem ter sido 'manobrados' pelos joaninos, em vez de realmente terem feito parte da seita. A ligação de Vintras com a seita era a sua mentora, uma certa Madame Bouche, que morou na Praça de St. Sulpice, em Paris, e usou o nome, esplendidamente evocativo, de 'Irmã Salomé'. (A Igreja de Carmela, de Vintras, ainda funcionava em Paris nos anos quarenta, e houve rumores de um grupo operando em Londres nos anos 60).
Havia um outro movimento, os Irmãos da Doutrina Cristã, que se fundiu com a Igreja de Carmela, mas na realidade havia sido fundado anteriormente, em 1838, pelos três irmãos Baillard, todos padres.
Eles montaram duas casas religiosas, St. Odile, na Alsácia, e Sion-Vaudémont, em Lorraine, nas montanhas, continuando a se considerar católicos. Ambos são locais importantes em suas regiões, e é um mistério que os irmãos Baillard os pudessem ter adquirido.
Sion-Vaudémont era um local importante para o culto pagão na Antigüidade, consagrado à deusa Rosamerta, e, como pode ser inferido de seu nome, já há muito estava ligado ao Monastério de Sion. Na realidade, uma Ordre de Notre-Dame de Sion, historicamente reconhecida, foi lá fundada no século XIV por Ferri de Vaudémont, cuja escritura a unia à abadia de Monte Sion, em Jerusalém, de onde o Monastério afirma ter tirado seu nome.
O filho de Ferri casou-se com Iolande Trancam, Grã-Mestra do Monastério entre 1480 e 1483, e filha de Renê d' Anjou, o Grão-Mestre que a antecedeu. Iolande transformou o Sion-Vaudémont em um importante centro para peregrinação, focado em sua Madona Negra. A própria estátua foi destruída durante a Revolução e substituída por uma Virgem medieval que não era negra, retirada da igreja de Vaudémont, que é consagrada a João Batista.
Assim parece ser significativo que uma das novas igrejas dos irmãos de Baillard estivesse baseada naquele lugar. Suas idéias eram semelhantes às de Vintras, inclusive a ênfase no início iminente da era do Espírito Santo e da sexualidade sagrada, portanto não é de se surpreender que tivessem saído da mesma fonte. Seu movimento recebeu grande apoio, incluindo o da Casa dos Habsburgos. No entanto, como outros, também foi suprimido, em 1852.
Depois da morte de Vintras, em 1875, o movimento foi assumido pelo abade Joseph Boullan (1824-1893), uma figura ainda mais controversa. Algum tempo antes ele havia seduzido uma jovem freira do convento de La Salette, Adèle Chevalier, e os dois fundaram a Sociedade para a Reparação das Almas, em 1859.
Esta, definitivamente, baseava-se em rituais sexuais, sendo sua filosofia geral a de que a humanidade encontraria a redenção através do sexo, se este fosse visto como um sacramento. Embora isso possa parecer puro e alquímico em sua natureza, de modo bastante impróprio Boullan estendeu os benefícios desse ritual ao reino animal.
Há informações de que Boullan e Adèle Chevalier teriam sacrificado seu próprio filho durante um ritual de magia negra, em 1860. Contudo, embora isso seja relatado como fato em toda a literatura moderna, é impossível voltar às origens dos acontecimentos e encontrar uma fonte segura. Se Boullan era conhecido por ter cometido um crime, então, ele parece ter escapado de uma acusação formal.
É verdade que foi suspenso de suas obrigações como padre naquele ano, mas tal suspensão foi retirada após alguns meses. Em 1861, ele e Adèle foram presos por fraude (o modo usual, talvez, das autoridades lidarem com aqueles a quem tinham aversão mas a quem, no entanto, nada podiam imputar).
Após ser condenado, Boullan foi novamente suspenso de seus deveres sacerdotais, mas mais uma vez a decisão foi revertida. Após sair da prisão ele voluntariamente se apresentou ao Santo Ofício (então o nome oficial da Santa Inquisição) em Roma, que não lhe imputou nenhuma culpa, liberando-o para que voltasse a Paris.
Enquanto esteve em Roma, Boullan escreveu suas doutrinas em um caderno (conhecido como o cahier rose (caderno rosa), basicamente em razão da cor da sua capa) que foi encontrado pelo escritor J. K. Huysmans entre os documentos de Boullan após sua morte, em 1893.
Os detalhes precisos do conteúdo do caderno são desconhecidos, embora tenha sido descrito como um 'documento chocante'. Atualmente está trancado a sete chaves na Biblioteca do Vaticano, que nega todos os pedidos de acesso ao caderno.
Existem, com certeza, muito mais coisas nessa história de Boullan. Olhando de modo superficial, parece ser mais a história de um clube de pervertidos. Contudo, parece que a Igreja, até certo ponto, realmente protegeu Boullan. Por exemplo, a Igreja emitiu uma instrução ordenando que não fosse molestado, e há indicações de que ele estava em posse de algum tipo de segredo que propiciava tal proteção.
A história de Boullan encaixa-se no clássico padrão do agente provocador que se infiltra em uma organização com a intenção deliberada de desacreditá-la, em interesse de um outro grupo. Isso explicaria as enormes discrepâncias entre sua conduta e as medidas oficiais tomadas contra ele.
Após ter voltado de Roma, Boullan ingressou na Igreja de Carmela, de Vintras, tornando-se seu líder.
Isso provocou um cisma: os membros do culto que o aceitaram o acompanharam até Lyon, onde montaram sua sede. Seguiram-se, então, cenas desenfreadas de licenciosidade sexual, o que, uma vez mais, parece estar em total conflito com as afirmações do próprio Boullan de que ele era a reencarnação de João Batista.
Essa última colocação pode bem ter sido a fonte que inspirou J. K. Huysmans (devoto do culto da Madona Negra) a escolher o nome de 'Dr. Johannes' para o personagem inspirado em Boullan, no seu romance sobre o satanismo em Paris, Là-Bas (Lá Embaixo) (1891).
Contudo, seria um engano nos lançarmos a uma conclusão óbvia. Dr. Johannes foi retratado como um padre que praticava magia para se contrapor ao satanismo e que foi mal compreendido pela Igreja, que, claro, tachava qualquer tipo de magia como pertencente ao Diabo.
Huysmans ajudou Boullan e hospedou-se com ele em Lyon, enquanto realizava as pesquisas para o seu romance, mas embora ele certamente tivesse muito conhecimento sobre magia, sempre foi tido e se via como um verdadeiro filho da Igreja, ao menos em teoria.
Là-Bas é hoje lembrado principalmente por sua lúgubre descrição de uma missa negra, descrição que parece ser o depoimento de uma testemunha ocular. Os verdadeiros vilões da história, contudo, são os rosa-cruzes, devido a notória batalha travada no campo da magia entre Boullan e membros de certas ordens de rosa-cruzes que naquela época floresciam na França.
Pode parecer incongruente que justamente os rosa-cruzes se opusessem de forma tão ferrenha a Boullan e a tudo que por ventura representasse. Claro que o conflito poderia somente ter sido uma dessas brigas de ego que comumente atingem tais movimentos. Por outro lado, talvez alguns rosa-cruzes estivessem alarmados com a franqueza de Boullan em relação a seus segredos.
A França havia se tornado o lar de vários centros ocultistas. Muitas ordens rosa-cruzes eram um desdobramento da mistura dos movimentos templaristas-maçônicos-rosacrucianos encontrados no sudoeste da França.
Embora estas não fossem ordens estritamente maçônicas, certamente estavam alinhadas com os sistemas maçônicos ocultos, como o Ritual Escocês Purificado e os Rituais Egípcios. Tanto os grupos maçônicos quanto os de rosa-cruzes abraçaram a filosofia dos martinistas, os ensinamentos ocultos de Louis Claude de Saint-Martin. Na realidade, a importância do martinismo não deveria ser subestimada: os maçons do Ritual Escocês Purificado atual são recrutados exclusivamente dentre os martinistas.
A primeira dessas organizações de rosa-cruzes parece ter sido uma filial de uma loja maçônica um tanto irregular conhecida como La Sagesse (Sabedoria ou Sophia), em Toulouse. Por volta de 1850, um de seus membros, o Visconde de Lapasse, (1792-1867), um respeitado médico e alquimista, fundou a Ordre de La Rose-Croix, du Temple et du Graal (Ordem da Rosa-Cruz, do Templo e do Graal).
A segunda pessoa mais importante dessa ordem era Joséphin Péladan (1859-1918), que também era de Toulouse e tornou-se uma espécie de padrinho das sociedades de rosa-cruzes francesas daquele tempo.
Péladan era um grande conhecedor do ocultismo, depois de ter sido inspirado pelo escritor francês Éliphas Lévi (cujo nome verdadeiro era Alphonse Louis Constant, 1810-75). Péladan desenvolveu um sistema de magia que foi descrito como 'um erótico catolicismo-com-magia', e organizou o popular Salon de La Rose + Croix. (Um cartaz de publicidade mostrava uma dessas reuniões, e nele Dante é retratado como sendo Hugues de Payens, primeiro Grão-Mestre dos templários, e Leonardo é descrito como o Guardião do Graal [ver ilustração].)
Péladan acreditava que a Igreja católica era um repositório de conhecimento do qual ela mesma havia se esquecido, e ele estava particularmente interessado no Evangelho de João.
Também estava à frente de avançados estudos nos quais via o fidele d' amore como uma sociedade esotérica, especificamente vinculada aos rosa-cruzes do século XVII.
Péladan conheceu um outro ocultista, Stanislas Guaita (1861-1898), e em 1888 os dois formaram a Ordre Kabbalistique de La Rosa-Croix (Ordem Cabalística da Rosa-Cruz).
Foi Guaita quem se infiltrou na Igreja de Carmela de Boullan e, em conjunto com Oswald Wirth, um membro que havia se desencantado com o culto, escreveu o livro The Temple of Satan, que expôs o movimento como sendo diabólico. Isso conduziu à batalha mágica na qual Boullan e Guaita acusaram-se de usar os poderes da magia com a intenção de causar a morte um do outro.
Pode ser um tanto desapontador, mas Boullan parece ter morrido de causas naturais, mas, como já era de se esperar, a rixa entre eles resultou em dois duelos de carne e osso, um entre Guaita e um dos discípulos de Boullan, Jules Bois, e o outro entre este último e um rosa-cruz, Gérard Encausse (mais conhecido como Papus). Ambos os duelos terminaram em empate.
Esse episódio é um dos prediletos entre os escritores do ocultismo, mas nunca é explicado de modo satisfatório. Por que Guatta e os rosa-cruzes parisienses empreenderiam uma vendeta contra Boullan? (Não custa lembrar que temos apenas a versão de Guatta e Wirth sobre as supostas depravações cometidas por Boullan e seus discípulos.) Em face disso, não há conexão real, ou base de disputa, entre as lojas maçônicas ocultas e a ordem essencialmente religiosa de Boullan.
Porém, se cavarmos um pouco mais fundo encontraremos a verdadeira razão: Guatta e um tribunal de rosa-cruzes haviam condenado Boullan por 'profanar' e revelar 'segredos cabalísticos', ou seja, os ensinamentos que se julgava serem exclusivos dos rosa-cruzes. (E a condenação de Boullan ocorreu no dia 23 de maio de 1887, antes, portanto, de Guatta ter se infiltrado no seu grupo.) Essa era a razão verdadeira deles sentirem a necessidade de silenciar Boullan.
Outros comentadores parecem não ter notado as implicações decorrentes disso: se os rituais de Boullan foram considerados como usurpadores de algo que pertencia aos rosa-cruzes, então eles também deveriam praticar rituais de cunho sexual.
O erro de Boullan, aos olhos dos rosa-cruzes, foi tê-los tornado público.
A Paris do século XIX abrigou muita filosofia e ocultismo eruditos, refletindo, talvez, a busca do fin de siecle por um significado mais profundo da vida.
Tal busca atraía toda sorte de pensadores e artistas, como Oscar Wilde, Debussy e W. B. Yeats. (Como sempre, a verdadeira união européia era uma fraternidade secreta.) Os salões estavam repletos de rostos famosos, ansiosos tanto para descobrir uma fórmula mágica quanto para fabricar fofocas, entre eles Marcel Proust, Maurice Maeterlinck e a cantora de ópera Emma Calvé (1858-1942).
Famosa por sua beleza, ela abria as portas de seus próprios saraus a qualquer um que eventualmente tivesse algo de interessante para compartilhar, de preferência algum grande segredo ocultista. Esses círculos também incluíam tipos como Joséphin Péladan, Papus e Jules Bois (que era um dos muitos amantes de Emma Calvé).
Muitos dos que eram a energia propulsora desses círculos vieram do Languedoc, inclusive a própria Emma Calvé. (Ela não era nenhuma iniciante no misticismo: foi uma parente sua, Melanie Calvet, quem teve a famosa visão de La Salette. E, o que é interessante, Adele Chevalier, a freira que fora seduzida por Boullan e tornou-se sua sócia, era uma das amigas de Melanie.)
Emma Calvé iria representar um importante papel na confusa história do abade Sauniere, padre de paróquia da aldeia Rennes-le-Château, no Languedoc, assunto que será examinado mais à frente.
Sugestivamente, em 1894, ela comprou o castelo de Cabrieres (Aveyron), próximo do local onde nasceu, em Millau, que se dizia ter sido, no século XVII, o lugar onde fora escondido o Livro de Abraham, o judeu, há muito procurado, e que fora utilizado por Flamel para completar a Grande Obra. Em sua autobiografia, Calvé conta que seu castelo 'fora o refúgio de um certo grupo de cavaleiros templários', mas, para nossa frustração, não faz mais nenhum comentário.
Alguns outros grupos ocultistas importantes começaram no Languedoc e haviam se conectado com as sociedades rosa-cruzes. Foram influenciados pela Maçonaria da Estrita Observância Templária, do Barão von Hund, embora a influência principal tenha vindo de uma figura bastante difamada, o Conde Cagliostro (1743-1795).
Denunciado como um charlatão, esse ator natural era um genuíno investigador do conhecimento oculto. Nascido Giuseppe Balsamo, recebeu o título de Conde Alessandro Cagliostro de sua madrinha. Foi apresentado ao ocultismo quando tinha vinte e três anos, durante uma visita a Malta, onde conheceu o Grão-Mestre dos Cavaleiros de Malta, que era alquimista e rosa-cruz.
O próprio Cagliostro pegou o vírus do ocultismo e tornou-se alquimista e maçom, sendo fortemente influenciado pela Estrita Observância Templária. Sua entrada na maçonaria se deu na rua Gerrard, no Soho, em Londres, onde foi iniciado em uma loja da Estrita Observância Templária, em abril de 1777.
Viajou bastante pela Europa, mas passou a maior parte do seu tempo na Alemanha, procurando especificamente pelo conhecimento perdido dos templários. Também tinha reputação como curandeiro.
Em 1789, foi a Roma em visita, após ter recebido a permissão do Papa. Quando lá chegou logo caiu nas garras da Santa Inquisição, a mando do Papa, que o acusou de heresia e conspiração política, condenando-o à prisão perpétua. Morreu nos calabouços da fortaleza de San Leo, em 1795.
Cagliostro havia estabelecido o sistema da maçonaria 'egípcia' (a loja-mãe foi montada em Lyon, em 1782), que consistia em lojas masculinas e femininas, estas sendo comandadas por sua esposa, Serafina. Lévi disse que isso era uma tentativa de 'ressuscitar o mistério da devoção a Ísis'.
Os frutos das pesquisas de Cagliostro nas sociedades ocultas da Europa foi um corpo de conhecimentos denominado o Arcana Arcanorum (Segredo dos Segredos), ou A.A.. Esse nome foi tomado do original rosacruciano do século XVII. O texto consiste de descrições de práticas mágicas que davam ênfase especial à 'alquimia interna'. Como já vimos, essas técnicas são essencialmente sexuais, similares às do tantra, embora Cagliostro as tenha aprendido na Alemanha, de grupos rosa-cruzes.
Foi sob o comando de Cagliostro que o Ritual de Misraïm (hebreu para 'egípcios') instituiu-se em Veneza, em 1788. Por volta de 1810 os três irmãos Bédarride trouxeram o sistema para a França, onde foi incorporado ao Ritual Escocês Purificado.
O Ritual de Misraïm era o antecessor direto do Ritual de Memphis, que fora, como já vimos, fundado por Jacques-Étienne Marconis de Negre e com o qual o próprio Monastério de Sion estava associado. (Os dois sistemas unificaram-se sob a figura do Ritual de Memphis-Misraïm, em 1899, sob o Grão Magistério de Papus, que permaneceu no comando até sua morte, em 1918.)
O Ritual de Memphis também estava intimamente ligado a uma sociedade secreta chamada os Filadelfianos, que fora fundado pelo Marquês de Chefdebien, em 1780, um outro ramo da Estrita Observância Templária de von Hund, embora tivesse sido especificamente formado para adquirir conhecimento ocultista. Marconis Negre enfatizou os laços íntimos com os Filadelfianos e deu este nome a um dos graus de seu movimento.
Nenhum dos rituais, o de Memphis e o Misraïm, eram por si mesmos particularmente influentes. Tomados em conjunto, como Memphis-Misraïm, no entanto, eram um poder a ser levado em consideração, e sua influência se espalhou como uma gigantesca onda por entre o mundo ocultista europeu.
Entre seus membros estavam celebridades sombrias como o ocultista britânico Aleister Crowley e luminares do misticismo como Rudolf Steiner. E havia também Karl Kellner, que mais tarde iria fundar, com Theodore Reuss, a Ordem dos Templários do Oriente, mais conhecida simplesmente como OTO.
Essa organização estava, e está, explicitamente relacionada com a magia de sexo. E embora fosse bastante difundido que ela era a representante do tantra ocidentalizado, também era o desenvolvimento lógico dos segredos ensinados em Memphis-Misraïm, os quais, por sua vez, derivavam do conhecimento adquirido por Cagliostro junto aos grupos rosa cruzes alquímicos da Alemanha e das lojas da Estrita Observância Templária.
Crowley deixou o Memphis-Misraïm para unir-se à OTO, tornando-se Grão-Mestre. Rudolf Steiner era outra figura importante que também havia saído do Memphis-Misraïm para ingressar na OTO. Ele é famoso principalmente em razão de sua marca mística 'pura', a antroposofia, e deliberadamente tratou de diminuir sua associação com a OTO a ponto de muitos de seus discípulos contemporâneos mais fervorosos não terem a menor idéia de que ele fizera parte daquela Ordem. No entanto, quando morreu foi enterrado em seu traje ritual da OTO.
De modo significativo, Theodore Reuss escreveu que a magia de sexo da OTO era: 'a CHAVE que abre todos os segredos maçônicos e herméticos...' E também, de um modo um tanto abrupto, que a magia de sexo era o segredo dos cavaleiros templários.
Outro desdobramento do movimento Memphis-Misraïm tomou forma na Inglaterra, no século XIX. Era a hermética Ordem da Aurora Dourada, cujos membros incluíam Bram Stocker, o gerente de teatro mais conhecido por ser o autor de Dracula; Aleister Crowley, o poeta, patriota e místico irlandês, W. B. Yeats, e Constance Wilde, a dama de sociedade esposa do condenado Oscar.
Fundada em 1888 por Macgregor Mathers e W. Wynn Westcott, sua linha direta de descendência remonta à Dourada e Rósea Cruz, à ordem da Estrita Observância Templária, da Alemanha, examinada no capítulo anterior. A Aurora Dourada também se utilizou de rituais do Memphis-Misraïm. No final das contas, entretanto, a ordem deve seu direito de existir ao Barão von Hund. Tanto as influências francesas como as alemãs no fundo partem dele e de seus rituais templários.
A Aurora Dourada é bem mais conhecida no mundo de língua inglesa que aqueles outros grupos europeus, bem mais exóticos. Tem a reputação de ser extremamente íntegra e, à primeira vista, parece ser uma sociedade de esotéricos que gostavam de vestir trajes rituais e proferir encantamentos, mas que na verdade era pouco mais que um grupo de ocultistas de final de semana, com altos ideais.
Contudo, entre os estudiosos franceses do ocultismo, a Aurora Dourada tem uma reputação bem mais sinistra; quando abriu sua filial em Paris, em 1891, ela aceitou muitos dos duvidosos personagens discutidos acima, inclusive o aparentemente onipresente Jules Bois.
Na realidade, até mesmo a Aurora Dourada inglesa tinha um aspecto pouco conhecido, porém mais profundo. Consistia, na verdade, duas Ordens separadas: de um lado tinha uma face pública bem conhecida, respeitável, e, de outro, havia uma ordem interna chamada a Rosa de Rubi e a Cruz de Ouro, na qual a iniciação só era possível através de convite. A Ordem externa parecia agir como uma base de recrutamento para a Ordem interna, um círculo secreto cujas práticas incluíam rituais sexuais.
Certamente a Aurora Dourada guardou muito bem seus segredos internos. Durante anos até mesmo aqueles escritores, como Katan Shu'al, que também faziam parte do mundo ocultista, poderiam apenas especular sobre os rituais sexuais daquela Ordem. No entanto, parece que eles realmente existiram, embora as evidências sejam bastante fragmentadas.
Na verdade, parece que os elementos sexuais já estavam presentes na época da fundação da Ordem. A Aurora Dourada cresceu de dentro de outra sociedade, a Societas Rosacruciana, em Anglia, que contava entre seus fundadores com Hargrave Jennings (1817-1890), cujos textos eram tão explícitos quanto um cavalheiro vitoriano poderia ser quando o assunto era a magia do sexo.
Em sua volumosa obra The Rosacrucians: Their Rites and Mysteries (1870), Jennings, nas palavras do autor PeterTompkins, 'insinuou tão diretamente quanto pôde que esses rituais e mistérios eram de uma natureza fundamentalmente sexual'.
Por exemplo, discutindo o simbolismo sexual dos triângulos interligados que compõem o Selo de Salomão (ou a Estrela de Davi), Jennings acrescenta de modo explícito:
...a pirâmide indica o correspondente poder feminino tumefato ou ascendente - não submisso, mas responsivamente sugestivo, sincronizado no clitóris anatômico... aquele excêntrico objeto diminuto que tudo significa na anatomia dos rosa-cruzes.
Em 18 de julho de 1921, Moina Mathers, uma das fundadoras da Aurora Dourada (e irmã do filósofo Henri Bergson), escreveu a Paul Foster Case, que era o responsável pela filial de Nova York da Ordem, ao ouvir dizer que ele estava ensinando sexo ritualístico:
Eu lamento que qualquer coisa relacionada com a Questão Sexual tivesse sido introduzida no Templo nesta fase atual, pois apenas agora estamos começando a tratar diretamente dos assuntos sexuais, em graus muito mais elevados...
Então, quando a escritora ocultista e membro da Aurora Dourada, Dion Fortune (cujo nome verdadeiro era Violet Firth) escreveu artigos sobre sexo, Moina a quis expulsar por trair os segredos da Ordem.
Mas por fim teve que admitir que Dion Fortune não poderia realmente tê-los conhecido, pois não havia ainda atingido os graus necessários.
Comentadores como Maria K. O Greer hoje aceitam que haja evidências para apoiar a noção de que a Aurora Dourada realmente praticava o sexo mágico, que era claramente considerado muito poderoso, e precioso demais para ser desperdiçado com seus recrutas mais novos e com os graus baixos.
Sugestões sobre os segredos mais íntimos da Aurora Dourada também podem ser encontradas nas palavras que descrevem uma visão em comum que Florence Farr e Elaine Simpson, duas adeptas daquele sistema, tiveram nos anos de 1890. Florence, uma atriz famosa do palco londrino, era também bastante conhecida pelos casos que tinha com vários homens, inclusive George Bernard Shaw e o companheiro ocultista W. B. Yeats.
Florence e sua colega de magia, Elaine, empreenderam em conjunto uma viagem astral, um tipo de aventura dentro dos Canais Internos ou uma alucinação compartilhada. Esse fenômeno é algo bastante comum nos treinamentos de magia, e normalmente faz parte da cabalística 'abertura do caminho', um tipo de projeção mental ou associação de imagens que são classicamente estruturadas na figura da 'Árvore de Vida'.
Florence e Elaine pretendiam visitar a 'esfera de Vênus' com os olhos da mente. O ápice de suas viagens astrais se deu em um encontro com um notável arquétipo feminino, que alegremente disse:
Eu sou a poderosa Mãe Ísis; a mais poderosa em todo o mundo, eu sou a que não luta, mas é sempre vitoriosa. Eu sou aquela Bela Adormecida a quem os homens sempre buscaram. Os caminhos que conduzem a meu castelo estão envoltos em perigos e ilusões.
Como não me achará, durma; ou sempre pode apressar-se na procura de Fata Morgana, que sempre desvia do caminho quem sente aquela influência ilusória. Eu me ergo sobre o alto e atraio os homens até mim. Eu sou o desejo do mundo, mas poucos há que me encontrem. Quando meu segredo é dito, é o segredo do Santo Graal...
Tenho dado meu coração para o mundo, aí está minha força. O Amor é a Mãe do Homem-deus, doando a quintessência de sua vida para salvar a raça humana da destruição, e mostrar adiante o caminho para a vida eterna.
Amor é a Mãe do Espírito-Cristo, e este Cristo é o mais elevado amor. Cristo é o coração do amor, o coração da Grande Mãe Ísis, a Ísis da Natureza. Ele é a expressão do poder dela. Ela é o Santo Graal, e Ele é o sangue da vida do Espírito que é encontrado na taça.
Imagens vívidas de uma taça contendo um líquido cor de rubi e uma cruz de três barras acompanhavam essas palavras.
À primeira vista isso parece um arrazoado típico da 'Nova Era', com Jesus e a deusa egípcia Ísis misturados com a idéia do Santo Graal apenas porque soa enigmático e místico. Porém, como escreveu recentemente o perito em ocultismo Francis X. King, existem dois pontos significativos: 'O primeiro é a identificação da Virgem Santíssima, "Mãe do Homem-deus", com Vênus, deusa do amor, ou seja, amor sexual, eros e não agapé. A segunda é a identificação do Graal... com Vênus, o yoni arquetípico ou órgão feminino da geração.
Os leitores modernos poderiam cinicamente interpretar a visão dessas senhoras como uma espécie de realização de um desejo, uma fantasia sexual em comum, especialmente se considerarmos a reputação da esfuziante Florence Farr, a contraparte britânica de Emma Calvé.
No entanto, supostamente, a visão havia revelado um segredo que estava de acordo com a filosofia mágica da Aurora Dourada, e certamente Francis X. King mostrou-se perplexo ao pensar sobre de onde as mulheres poderiam ter tirado esse imaginário, considerando que a sociedade não estava, ao menos teoricamente, conectada com qualquer tipo de ritual sexual.
Essa visão, porém, indica fortemente que estava, embora, mais uma vez, os rituais implicados parecessem ser exclusivos dos iniciados nos graus mais altos, o círculo interno.
É significativo que a visão una Ísis ao Graal e ao sexo, o que não causaria estranheza aos alquimistas, gnósticos ou trovadores. Que o Graal, visto aqui na forma tradicional de taça, é um símbolo feminino é facilmente compreendido em nosso mundo pós-freudiano, mas ainda era bastante revelador para os que viveram antes.
Mas aqui o líquido vermelho, o sangue que contém, é levado por Ísis...
Bastante interessante também, o tema da Bela Adormecida, que é mencionado no relato da visão das mulheres, também figura em grande parte do Le serpente ruge, aquele texto chave do Monastério de Sion.
A procura da Bela Adormecida é um motivo repetido e está entrelaçado com aquele da busca de uma rainha de um reino perdido. Como já vimos, aquele documento também revela uma preocupação com Maria Madalena e Ísis, combinando-as caracteristicamente na mesma figura.
A busca de uma rainha é um imaginário alquímico, e por isso não deveríamos ser pegos de surpresa ao encontrar essas personificações da sexualidade, Madalena e Ísis, como seu objeto. Embora mesmo hoje em dia o papel da sexualidade nos movimentos heréticos e ocultos seja bem pouco reconhecido ou admitido, sua importância dificilmente pode ser superestimada.
Sexo nunca foi um assunto secundário ou um mero passatempo particular, pois sempre esteve no centro da maioria das mais poderosas organizações secretas.
A tradição que mais nos interessa e que está por trás desta investigação, na verdade, é dependente da idéia da sexualidade sagrada. Como já vimos, essa tradição parece conter duas grandes correntes: a que reverencia Madalena e a que reverencia João Batista.
Naquela altura de nossa pesquisa nos encontrávamos diante da possibilidade de que Madalena fosse apenas uma figura simbólica que representava o sexo, e que sua imagem não estava realmente relacionada a qualquer figura histórica. De qualquer forma, a conexão entre Maria Madalena e sexo não é difícil de compreender e parece ser perfeitamente natural.
Não é bem assim, é claro, se considerarmos a corrente concernente a João Batista, associada à sexualidade sagrada. O relato bíblico e a tradição cristã têm criado uma atraente e duradoura visão de um homem que era asceta ao extremo, uma espécie de personagem de John Knox, de moral inflexível e celibato inabalável.
Como poderia justamente ele ter se tornado tão importante aos cultos baseados em práticas sexuais? Visto da superfície parece nunca ter havido, e nunca poderia ter acontecido, qualquer espécie de conexão, e mais uma vez nossa investigação revelou que gerações após gerações de ocultistas acreditavam, para dizer o mínimo, na existência dessa conexão.
E como vimos no caso da Aurora Dourada, a primeira impressão de qualquer grupo ocultista pode ser bastante enganadora. A sua verdadeira raison d'être pode causar grandes surpresas.
Florence Farr e seus companheiros da Aurora Dourada pertenciam a um grande círculo de ocultistas internacionais, que incluía Péladan e Emma Calvé. As sociedades às quais eles estavam associados eram extremamente influentes, e foi a rede de sociedades que forneceu a moldura de um dos mistérios franceses mais famosos e que estava intimamente relacionado com o Monastério de Sion.
O ponto central dos Dossiês secretos e materiais semelhantes que procediam do Monastério de Sion é, sem qualquer dúvida, o mistério de Rennes-le-Château. Por exemplo, Le serpent rouge repetidamente faz alusão a locais nas proximidades dessa aldeia. Dificilmente poderíamos evitar de focar nossa atenção em Rennes-le-Château, e mais uma vez nos vimos de volta ao Languedoe, o berço da heresia.